Milho, o ouro de junho

Por Ricardo Banana
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Fartura, prosperidade. De acordo com os estudos de simbologia, são esses os significados dados ao milho. De fato, para as comunidades do Interior de Pernambuco e outros estados do Nordeste, a espiga é a representação exata de tal signo. Mas, justo nesse espaço de seca, seus grãos amarelos eram muito mais; eram vistos como um sinal divino de trégua na secura que pairava sobre a Região o ano inteiro e morria, temporariamente, de março ao chamado ciclo junino, período que vai de 13 a 29 de junho. Era, portanto, um tempo de agradecimento, comemoração e vida.

Apesar de hoje a festa ter perdido um pouco do sentido de celebração religiosa, há algo que não mudou: a presença maciça das comidas típicas, principalmente as preparadas com o milho. Neste ano, no entanto, a seca atual, considerada a maior dos últimos 40 anos, pode amargar um pouco a sempre rica mesa junina, já que a mão (50 unidades) está com o preço nas alturas – cerca de R$ 30, na Ceasa. Nada que tire o brilho da festa, porém, que movimenta a maior parte dos municípios pernambucanos, do Recife a Petrolina.

Segundo Erick Buarque, especializado em Antropologia da Alimentação, professor universitário e chef de cozinha, a simbologia do milho vai mais além, remete à histórica mistura dos povos que se deu em território brasileiro. “O conceito das festas juninas, das festas de santo, é invenção dos portugueses. Isso vai ser trazido para cá e logo vai ser adaptado. Já as receitas (de pamonha, canjica, munguzá, por exemplo) surgiram das mãos das negras africanas, em meio à adaptação de pratos portugueses. Inclusive com técnicas e introdução de elementos, como o leite de coco. O produto vai ser apresentado pelos índios. É algo que representa bem, simbolicamente, a nossa cultura, porque é a miscigenação dos três povos”, explica o professor.

Fartura

Para um povo pobre, aquele do Agreste e Sertão pernambucano, que passava o ano inteiro com a fome na porta, as chuvas de março eram uma certeza: a safra do milho seria boa. E era justamente por isso que o Dia de São José, comemorado no décimo nono dia daquele mês, era (e continua sendo) um dia lendário. A superstição popular se afiava na crença de que, se chovesse no dia do santo, a safra do milho ia ser farta. Tal abundância poderia ser vista na mesa das festas de junho, três meses depois, que uniam a celebração aos santos (Santo Antônio, São João e São Pedro) e a comemoração da colheita.

Nas casas mais humildes, ou nas grandes festas de São João, a riqueza podia ser vista na variedade de pratos de cor amarela, como pamonha, cuscuz e canjica, todos preparados à base de milho. O amarelo remetia, é claro, ao ouro. Eram joias na mesa, servidas aos convidados como símbolo da fortuna (mesmo que temporária). Para reforçar a época de bonança, surgiam à mesa receitas como pé-de-moleque e arroz-doce, que não tinham o milho como ingrediente. “O milho é um produto cuja representatividade é forte para a cultura interiorana. Ele evidencia a mesa do agresteiro e do sertanejo porque trazia fartura. Economicamente, ele trazia dinheiro. Era o momento de você ter exageros à mesa, já que, durante o ano todo, tudo era muito apertado”, diz.

Segundo conta Erick Buarque, “aqui no Nordeste, a seca assolava e era uma dificuldade muito grande no transcorrer de todo o ano. Na época junina, o milho aparecia porque era a época de fertilidade. Isso era motivo de alegria, de riqueza”. “Muitas das grandes festas do Agreste e Sertão aconteciam no São João, quando circulava dinheiro. Era a época de celebrar a colheita, a lavoura, os santos, os grandes casamentos”, completa. A alimentação de subsistência, baseada em raízes, como mandioca, era substituída pelo mi­lho na estação chuvosa. “Quan­do chegava junho, era motivo para comemorar. Es­se período (de colheita) era capaz de gerar dinheiro para que se pudesse sobreviver durante vários meses”, explica o professor. Garantia de sobrevivência ou não, o ingrediente amarelo é o melhor representante da culinária junina, e, seja por motivo de agradecimento ou pura gula, é o ouro da gastronomia do nosso Interior, transbordando o calendário de fartura e delícia.

Fonte: Folha-PE

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