Todas as instituições merecem respeito. É nobre a opção por uma carreira militar. Sou a favor da obrigatoriedade da ‘Voz do Brasil”, programa eleitoral gratuito e voto obrigatório, pensamento que alguns possam chamar de reacionário. A pós-modernidade, ao meu ver, erra ao defender que as pessoas possam fazer o que quiser, na hora que quiserem. Cidadania é bônus, mas também é ônus.
Mas existe um núcleo mínimo de direitos que a Constituição confere às pessoas, dentre as quais está o direito ao lazer. Hoje, além do transtorno causado no trânsito, deparei-me com telas e arames isolando a outrora ilha do Fogo, em um véu mortuário que fez surgir uma ilha Cinza. Assim,“(…) sob pena de nos iludirmos e tomarmos o todo pela parte – um pecado elementar que estamos condenados a cometer até nos darmos conta de que não possuímos o dom da ubiqüidade e que a nossa visão das coisas, por mais abrangente, será apenas uma entre tantas outras formas de encarar o mundo –, sob pena de incorrermos nesse infantil equívoco filosófico, devemos não somente duvidar das evidências não refletidas, mas sobretudo somar à nossa a perspectiva do Outro, pois só assim lograremos apreender a totalidade do real, uma tarefa necessariamente compartilhada sob a lógica e a ética da diferença e da busca cooperativa da verdade” (COELHO, Inocêncio Mártires. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, Brasília Jurídica, 2002, p. 17).
Neste contexto, é preciso que o Exército e a Advocacia da União esclareçam fatos importantes sobre a ocupação da ilha do Fogo pelo Exército.
Em 11/06/12, este blog divulgou a seguinte nota:
“72º BI EMITE NOTA SOBRE OCUPAÇÃO DA ILHA DO FOGO
A ILHA DO FOGO encontra-se localizada na calha do RIO SÃO FRANCISCO, entre as cidades de JUAZEIRO-BA e PETROLINA-PE. É dividida em duas partes pela Ponte PRESIDENTE DUTRA (BR – 407) que faz a ligação rodoviária dessas duas Unidades da Federação.
Em 2008, o 72º BI Mtz teve parecer favorável da Justiça Federal para ocupar a porção Leste da referida ilha, onde foi instalada a Base Fluvial desta Unidade. Com relação a porção Oeste da Ilha do Fogo, a qual atualmente se encontra ocupada por comerciantes, uma colônia de pescadores e aberta ao público em geral, a Justiça Federal determinou a imissão da posse num prazo de 100 (cem) dias, a contar do dia 24 do mês de maio do corrente ano, conforme Sentença Transitada e Julgada do Processo Nº 0000052-05.2012.4.05.8308 – 8ª Vara da 5ª Região de Justiça Federal de 1º Grau de Pernambuco, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia, para aqueles que não observarem essa decisão judicial e, ainda, autorizou, desde então, o emprego de dois Oficiais de Justiça, apoiados, se for o caso, por força policial, até o dia 31 de agosto do corrente ano.
No dia 8 de junho do corrente mês, este Comando foi procurado por representantes de diversos segmentos das sociedades petrolinense e juazeirense solicitando a permissão para exercerem atividades de lazer e de comércio na porção Oeste da Ilha (arrendamentos). Naquela ocasião, este Comando esclareceu ao citado grupo que esta Organização Militar, após a assunção do controle da referida área a trataria como “área militar”, portanto, ficando a mesma sujeitas as mesmas restrições de acesso e de controle inerentes a qualquer quartel das Forças Armadas, ou seja, considerando que a Justiça Federal concedeu a posse de um imóvel à União, o que implicou diretamente no impedimento do livre acesso de qualquer cidadão ao mesmo, seria salvo outro juízo imoral, incoerente e inconveniente para este Comando permitir o acesso ao mesmo para apenas um ou outro grupo de pessoas “privilegiadas”, tal fato, se contraporia, a primeira vista, aos Princípios Constitucionais da Administração Pública da Impessoalidade e da Finalidade. Também, na mesma ocasião, este Comando informou ao citado grupo que a porção Oeste da Ilha seria destinada para a construção de uma Área de Instrução Especial, a qual atenderia a imposição de utilização da mesma para fins militares, inclusive para o adestramento das tropas das Forças Armadas e, mediante solicitação e disponibilidade, para as Polícias e Bombeiros Militares dos Estados da Bahia e de Pernambuco, dessa forma, ambas as Unidades da Federação em escopo também seriam beneficiadas pela utilização desse equipamento militar federal após sua implantação, o que em tese, resultaria em benefícios para toda comunidade local, a qual passaria a contar com policiais e bombeiros mais bem preparados para o exercício de suas atividades.
Petrolina – PE, 11 de junho de 2012.
JAMES CORLET DOS SANTOS – Tenente-Coronel
Comandante do 72° Batalhão de Infantaria Motorizado”
(negritei).
O Exército não tem personalidade jurídica, sendo mero órgão em forma de ministério da Administração Pública Federal, de modo que é representada, em juízo, pela União Federal.
A lógica do texto da nota primeiro divide a ilha geograficamente em leste e oeste, informando que a parte leste está com o Exército desde 2008 (Diz o texto que em 2008 a Justiça Federal “deu parecer” favorável à ocupação da parte leste da Ilha ao Exército: Qual o número do processo? Quem foi a parte adversária?). Segue o texto, fechando o raciocínio da nota: “Com relação a porção Oeste da Ilha do Fogo, a qual atualmente se encontra ocupada por comerciantes, uma colônia de pescadores e aberta ao público em geral, a Justiça Federal determinou a imissão da posse num prazo de 100 (cem) dias, a contar do dia 24 do mês de maio do corrente ano, conforme Sentença Transitada e Julgada do Processo Nº 0000052-05.2012.4.05.8308 – 8ª Vara da 5ª Região de Justiça Federal de 1º Grau de Pernambuco.
Ora, as lições mais elementares de lógica e teoria da argumentação nos leva a concluir que a Justiça federal proferiu sentença determinando a imissão da posse da parte leste ao Exército, salvo melhor juízo, ainda mais quando a nota assinala que “(…) este Comando esclareceu ao citado grupo que esta Organização Militar, após a assunção do controle da referida área a trataria como “área militar”, portanto, ficando a mesma sujeitas as mesmas restrições de acesso e de controle inerentes a qualquer quartel das Forças Armadas, ou seja, considerando que a Justiça Federal concedeu a posse de um imóvel à União, o que implicou diretamente no impedimento do livre acesso de qualquer cidadão ao mesmo”.
Observando o sítio da Justiça Federal de Pernambuco: www.jfpe.jus.br, e inserindo o número do processo acima mencionado vemos que o processo se refere a uma demanda movida pela União contra um cidadão que explorava um imóvel na ilha, supostamente. Ou seja, não se tratou de imissão na posse de toda ilha do Fogo. Não pode ser. Todos sabem que ninguém explorava comercialmente toda a ilha. O processo é público e pode ser consultado. Houve acordo em audiência, decidindo o juiz:
TERMO DE AUDIÊNCIA
Aos 24 (vinte e quatro) dias do mês de maio do ano dois mil e doze, às 10h00min, na Sala de Audiências “Pedro Jorge de Melo” do Fórum “Juiz Adaucto José de Mello” desta 8ª Vara Federal, situada na Praça Santos Dumont, n.º101, Centro, Petrolina-PE, estando presentes o Exmo. Sr. Dr. XXXXX, Juiz Federal Substituto, comigo assistente, abaixo subscrito, e sendo aí, na hora designada, o MM. Juiz declarou aberta a Audiência de Conciliação, e mandou que se fizesse o pregão na forma da lei, constatando-se a presença da autora UNIÃO FEDERAL, representada neste ato por sua Advogada Dra. XXXXX; e do réu XXXXX, RG YYYYY, acompanhado por seu(s) advogado(s) Dra. YYYYY, e do Ministério do Exército, representado pelo Capitão de Infantaria, ZZZZZ.
Aberta a audiência e iniciados os trabalhos foi tentada a conciliação acerca do objeto do litígio, o que se obteve êxito, tendo sido proposto pela União a concessão do prazo improrrogável de 100(cem) dias para desocupação do imóvel objeto da presente demanda, a contar da homologação, sob pena de, não o fazendo, incidir multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais). Devidamente assistido(a) pelo(a) advogado(a), o(a) réu(a) aceitou a proposta de acordo.
S E N T E N Ç A
TIPO B
Diante da proposta de acordo formulada e aceita pela parte, devidamente assistida pelo(a) advogado(a), e não havendo qualquer vício de vontade apto a invalidá-la, impõe-se ao Judiciário o reconhecimento do ajuste. Por isso, HOMOLOGO, por sentença, o acordo obtido, extinguindo o processo com julgamento de mérito, para conceder um prazo de 100 (cem) dias para desocupação do imóvel em tela, a contar da presente homologação, sob pena de incidência de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) e expedição de mandado coercitivo de imissão da posse, a ser cumprido por dois oficiais de justiça e com auxílio de força policial. Sem custas ou honorários advocatícios. Após comprovação do cumprimento da obrigação pelo réu, arquivem-se os autos, uma vez ausente interesse recursal das partes.
Petrolina/PE, 24 de maio de 2012. (processo não tramita em segredo de Justiça, mas preservo os nomes e dados pessoas das pessoas que nele participaram).
(negritei).
A ilha do Fogo (agora, ilha da Cinza) nunca foi base militar. Já vi e tem que constar no Cartório do 1o Ofício de Petrolina, registro de propriedade da ilha em nome de um ex-prefeito de Juazeiro que, em 1932, a vendeu a um importante comerciante de Petrolina, pai, avó e bisavó de muitos políticos. Naturalmente que já ocorreu a chamada desapropriação indireta, sem prejuízo do que dispõe a Constituição Federal no tocante às ilhas fluviais localizadas em rios federais (muito embora a ilha do Fogo esteja integralmente localizada no território de Pernambuco, mas é uma outra questão)
Não acredito na possibilidade da União Federal ter ingressado com demanda contra um particular que explorava atividade comercial na ilha, visando imissão na posse de a ilha, porque todos sabemos que o cidadão não detinha a posse da ilha. Mas, se a nota do Exército fala que existia colônia de pescadores na ilha, por quê ela não foi chamada para apresentar argumentos no processo judicial?
E os outros comerciantes? Por quê não foram citados para participar do processo judicial?
Em nome da transparência é preciso que se divulgue o ato que determinou a afetação da ilha, vale dizer, tirou a característica de bem de uso comum do povo (como as praias, que embora pertençam a União, são acessíveis à todos) para transforma-la em bem de uso especial (centro de treinamento militar). É preciso que os Ministérios Públicos analisem a proporcionalidade e a razoabilidade de se estabelecer um centro de treinamento militar a pouco mais de 400 metros dos centros de Juazeiro e Petrolina, se é constitucional, dado ser o lazer um direito fundamental (Constituição Federal, em seu art. 6o: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição), que a única praia urbana das 2 cidades seja fechada, pois, “Estou perfeitamente seguro de que tenho razão; mas posso enganar-me e podes ter razão tu. Em qualquer dos casos, vamos conversar racionalmente, pois assim nos aproximaremos mais da verdade, do que se cada um persistir no seu ponto de vista. Ver-se-á perfeitamente que a atitude que designo como sensata ou racional pressupõe um certo grau de modéstia intelectual. É uma atitude de que só são capazes aqueles que reconhecem não ter por vezes razão e que geralmente não esquecem os seus erros.” (POPPER, Karl Raymund. O Racionalismo Crítico na Política. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. p. 4.).
Comandante, ainda há tempo de contemplar o direito de todos!
Luiz Antonio Costa de Santana
Professor da UNEB e UNIVASF, advogado, doutorando em Direito pela Universidade de Lomas de Zamora
Fonte: Blog do Geraldo José
Blog do Banana