A seca da nascente do Rio São Francisco, em São Roque de Minas, tem afetado de forma drástica uma das principais atividades econômicas da cidade de Iguatama, a 234 quilômetros de Belo Horizonte. Primeiro município a ser banhado pelo Velho Chico no Centro-Oeste do estado, a cidade está com 90% da pesca comprometida, segundo a Colônia de Pescadores Profissionais. De cima da ponte que cruza o rio, a imagem é desoladora. “É dramático olhar para baixo e ver lama e pedaços de madeira. A água acabou e esse rio está morrendo”, lamenta Francisco Romoaldo dos Campos, pescador há mais de 30 anos.
A maioria dos 75 profissionais passa por dificuldades e muitos têm procurado alternativas para sustentar as famílias. Há cinco anos, Pedro Henrique Soares pesca no Rio São Francisco. Porém, com a seca rigorosa deste ano, ele precisou recorrer a outros meios para manter a família. “Trabalho como servente de pedreiro para ganhar dinheiro. Não podemos parar de comer, não é? Da pesca não dá para viver mais, pelo menos por enquanto. Então o caminho é buscar alternativas, e me tornei servente até a chuva encher de novo esse rio.”
Em locais onde os barcos a motor entravam da margem para seguir até a parte central do rio restaram apenas alguns filetes de água. Por isso, a navegação agora só é feita por meio das canoas. “Não há condições de entrar com o barco. O motor bate no solo por não ter mais água. Há alguns anos o rio quase transbordava na ponte que tem dez metros de altura. Da pesca está difícil de viver”, afirma a secretária municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Luiza Augusta Garcia Leão.
O representante da Colônia dos Pescadores Profissionais de Iguatama, Geraldo Pereira da Costa, de 71 anos, mostrou (veja vídeo ao lado) por onde já passou de canoa no rio – que hoje só tem árvores e terra seca. Há três anos, segundo ele, que a marginal que sustenta o rio não enche como antes. “Já andei de canoa em toda a extensão do rio e agora só tem terra. É claro que veio secando gradativamente, e essa seca não é só deste ano, apesar de ter sido a pior de todas. Isso é um reflexo de cerca de dez anos de estiagem, mas volto a dizer, seca assim eu nunca vi em 30 anos de profissão”, conta.
Questionado sobre o que ele sente ao ver a situação do rio, o pescador se emociona e mostra a lagoa que sustentava o nível do Rio São Francisco. Hoje ela não existe mais. “Eu me sinto emocionado porque eu tirei sustento para minhas filhas desse rio. É preciso preservar, pois como que pode o São Francisco se alimentar das marginais se elas estão secas? Não tem jeito. O São Francisco vai secar, o Velho Chico vai morrer.”
A rotina dos pescadores de Iguatama começa cedo em épocas normais de rio cheio – às 4h eles saem de casa. Antes, era possível pescar de 30 a 40 peixes num dia de trabalho. Agora quase não se pesca um. “Não passa disso. Um dia inteiro para pegar um peixe, e tem dias que nem isso consigo”, lamenta Francisco Romoaldo.
O pescado é vendido na cidade, e cada pescador é responsável pela própria renda. Espécies como curimatã e piau são vendidas a R$ 15 o quilo. Cada peixe tem pesado, em média, oito quilos e, no fim do dia, Romoaldo recebe R$ 120.
Segundo os pescadores, os peixes mais caros no mercado da cidade são o surubim e o dourado, custando R$ 25 o quilo de cada um. Contudo, eles não encontram mais essas espécies no rio. “O que a gente acha é curimatã e piau, e quando acha. Além do mais, esses peixes têm normalmente 12 quilos, mas com a seca estamos achando de oito quilos. Isso é reflexo da falta de reprodução e de alimentos para o crescimento das espécies”, afirma Pedro Henrique.
Por se tratar da principal atividade de trabalho do município, os pescadores que comprovam viver da pesca e que são associados à Colônia de Pescadores Profissionais recebem uma espécie de seguro-desemprego entre novembro e março, quando ocorre a desova dos peixes, chamada de piracema. Eles param as atividades e recebem um salário mínimo por mês, segundo a secretária de Agricultura e Meio Ambiente. “O governo paga esse valor a eles para que os peixes possam se reproduzir sem interferência humana. Mas, para isso, o pescador precisa provar por meio de notas fiscais que vive da pescaria”, explica o representante da Colônia dos Pescadores.
Assoreamento
Além da seca, os pescadores apontam os barcos com motor de potência superior a 15 cavalos como responsáveis pelo assoreamento e baixo nível da água no rio, causadores da falta de peixes. Por isso, pedem a colaboração de quem usa esse tipo de motor. “Quando esses barcos entram na água, eles fazem ondas que sobem mais de dois metros e, na volta, trazem a terra da margem para dentro do rio, o que provoca o assoreamento e prejudica o esconderijo dos peixes, que são os buracos feitos no fundo do rio”, diz o representante dos pescadores de Iguatama, Geraldo Pereira da Costa.
Dessa maneira, os peixes se tornam presas fáceis para os predadores e, inclusive, para o homem. “Somos pescadores e queremos os peixes, é fato. Mas o problema disso é que os amadores se aproveitam e pescam as espécies pequenas. Não há tempo para esses peixes crescerem e muito menos para se reproduzirem e gerar uma maior quantidade”, explica.
Além disso, o movimento dos motores desses barcos desloca as figueiras, árvores de até 15 metros, comuns na mata ciliar e que protegem o curso do Velho Chico. “O motor bate na base dessas árvores, que acabam despencando. Portanto, o que é proteção na margem também acaba desaparecendo. São inúmeros os problemas causados por esses motores de alta capacidade. Nós, pescadores, geralmente usamos barcos com quatro cavalos, então seria viável que as outras pessoas também adotassem essa mesma potência”, afirma.
Enquanto a chuva não vem
Para amenizar os efeitos da seca, a prefeitura tem realizado o abastecimento do município por rodízio. Se antes os moradores tinham água em casa durante todo o dia, agora ela só chega à noite. Isso porque a vazão dos cinco poços artesianos em operação, que abastecem a cidade, era de 40 metros cúbicos por hora e, hoje, a média não chega a 15, segundo dados do chefe de gabinete, Alírio Muniz Leão.
“As máquinas dos poços trabalham para encher os reservatórios e, quando já estão cheios, liberam a água para a população. Anteriormente, quatro horas eram necessárias para atingir o limite de água. Hoje as máquinas trabalham 16 horas para tentar encher os reservatórios e ainda não são suficientes”, afirma Leão.
Apelo
Na cidade, o carro de som de Gustavo Barbosa Siqueira circula nas vias pedindo que os moradores economizem água. Também são feitos anúncios em rádio com o mesmo apelo. Ainda assim, Gustavo conta que continua vendo atitudes lamentáveis. “Vejo as pessoas varrendo as calçadas com água da mangueira e lavando carros. É realmente lamentável, pois elas só terão consciência desse problema quando não sair nenhuma gota das torneiras.”
Ainda como medida preventiva, o chefe de gabinete da prefeitura informou que estão sendo furados dois poços artesianos, cada um com 120 metros de profundidade. Um deles está em fase de licenciamento ambiental e o outro em liberação de outorga, o direito de uso de recursos hídricos. Além disso, o município tem dois caminhões-pipa, sendo um deles exclusivamente para atender a zona rural.
Em caso de escassez total da água, a cidade não tem onde recorrer. “Ninguém pensou nisso ainda e nem pensa. O subsolo da região é muito rico em água e esse é um caso inédito e totalmente atípico. Estamos confiantes de que a chuva vai chegar e nos abençoar”, diz Alírio Leão. (G1-MG)
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