Não pense que a água será de graça

Por Ricardo Banana
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A água que vai correr pelos 713 quilômetros dos canais da transposição do São Francisco não será gratuita. Apesar de ser fundamental para evitar que 12 milhões de pessoas vivam em racionamento e para a economia futura da região, até ver os benefícios o governo precisa fazer uma difícil conta. Muito embora toda a obra fosse esperada, originalmente, para este ano, uma estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) feita a pedido do governo mostra que, em 2015, novo prazo de entrega da transposição, a conta da água do projeto terá um dos preços mais altos do Brasil. O número não é definitivo. A FGV já recebeu a tarefa de atualizar a projeção, de 2005. Mas o governo deixa claro que a tarifa será suportável através de subsídio cruzado. Em Pernambuco, por exemplo, uma área onde a água chega hoje mais barata terá impacto da conta mensal da transposição.

A primeira projeção da FGV mostrava que o preço do metro cúbico da água da transposição custaria R$ 0,13 em 2010 e R$ 0,15 em 2015. Apesar de ser bem mais alto que a média nacional de hoje, R$ 0,02, os governos avisam que a comparação não é tão direta.
Esse valor será repartido entre as companhias estaduais de água, que vão fixar o preço para o consumidor final. O presidente da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), Roberto Tavares, diz que a tarifa terá subsídio cruzado, quando uma área de maior rentabilidade banca uma região com o custo menor ou mesmo prejuízo.

O Bispo de Floresta, Dom Adriano Vasino, questiona o futuro equilíbrio financeiro da transposição. Ele lembra do prazo dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um dos canais, o Eixo Leste, esperado para 2010 e que ficou para 2014.

Dom Adriano não sabe se confia no novo cronograma. “Isso é muito difícil de poder dizer. Eu estou torcendo para que isso [a entrega no prazo novo] aconteça, mesmo com todas as dúvidas a respeito da viabilidade econômica deste Eixo. Porque eles têm que elevar a água a 360 e tantos metros, com cinco estações de bombeamento”, comenta Dom Adriano.

Apesar da pequena imprecisão das informações, o problema no custo é exatamente o citado pelo bispo, a relação entre a subida de água e o gasto de energia. O Eixo Leste usará seis estações de bombeamento para elevar a água a uma altura total de 300 metros, equivalente a mais do que a soma das duas torres da Moura Dubeux no Cais José Estelita, no Recife. Ou, em uma medida internacional, equivale a 80% da altura do famoso Empire State Building, o prédio americano escalado na ficção pelo gorila gigante King Kong.

Justamente por isso, a engenharia da transposição envolve a construção das estações elevatórias e reservatórios de compensação, para, após atingir altura e volume suficientes, a água correr a maior parte do caminho por ação da gravidade. Com isso, as grandes bombas serão desligadas de três a quatro horas por dia para economizar energia.

Há ainda a manutenção física dos canais e a segurança, que será bem trabalhosa. Será necessário fiscalizar áreas muito afastadas e com difícil acesso, para evitar furto de água e garantir que pessoas e animais não caiam nos canais. Na viagem de 2.600 quilômetros a todos os 13 lotes da transposição com empreiteiras, a reportagem constatou a facilidade com que bois e cabritos hoje circulam pela obra, como no lote 1, próximo a Cabrobó. Um animal morto num dos canais poderia contaminar a água que mais adiante chegaria nas torneiras das casas.

Uma projeção da soma de todos esses custos, operação, manutenção e segurança, foi o que originou aquela conta inicial da FGV, números considerados ultrapassados pelo governo. “Vamos revisar, atualizar e detalhar esses números. Desde que aqueles números foram gerados, há 5, 6 anos, mudou o cenário econômico e político, de aquisição de bens e insumos. Com certeza ele vai variar e até para baixo”, afirma José Luiz de Souza, engenheiro e coordenador substituto do Conselho Gestor do Projeto São Francisco, no Ministério da Integração Nacional.

Secretário de Recursos Hídricos e Energéticos de Pernambuco, Almir Cirilo reforça que mesmo o resultado desse cálculo será o preço da chamada água bruta, antes de entrar nos sistemas estaduais de tratamento e distribuição. Cirilo, doutor em engenharia civil, é também professor da Universidade Federal de Pernambuco. Na disputa pela vaga, apresentou a tese Água e Desenvolvimento: Estudo de Caso do Semiárido Brasileiro.

Almir conversa sobre a parte técnica e ambiental da transposição. Tanto no trabalho acadêmico, quanto na discussão, defende o projeto. “A água mais cara é aquela que o cidadão não tem”, afirma Cirilo.
Mas a ideia de água a qualquer preço não é bem recebida, no Semiárido. A simples ideia de cobrança é vista como um impeditivo da transposição. “Uns dizem que vai beneficiar o povo. Outros que não, que quem quiser ter acesso vai pagar uma conta”, diz a professora Josefa Siqueira, 45 anos.

Ela vive na área rural de Sertânia, às margens da PE-280, uma área que, a princípio, não terá água da transposição. Apesar de o tempo todo querer se mostrar em cima do muro, sem atacar ou defender a obra, o tom crítico surge da forma inversa: ela não se importa com o projeto. Seu marido vende água de poço em carros-pipa e sua casa está sempre abastecida.

“Para quem vai se beneficiar eu acho que tem dificuldade [no futuro da transposição]. Você ter um pedacinho de terra, vender, como muitos venderam, e ainda mais usar a água sendo comprada… É o que os outros dizem, eu não vou ser beneficiada mesmo”, afirma Josefa. Questionada sobre a política em torno da obra, Josefa ri um pouco e, de novo, busca mostrar alguma isenção na discussão, ficando em cima do muro. “Quem não entende bota política no meio. O povo é que faz politicagem”.

Fonte: JC Online

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