Ato ocorreu no dia 8 de março. Nele, candidato do PL à reeleição disse que “seria muito fácil estar do outro lado” e que “faço o que os senhores (bispos) desejarem”
Por Luís Costa Pinto, do 247 – O artigo 119 da Resolução 23.610/2021 do Tribunal Superior Eleitoral, que embasa todo o regramento jurídico da campanha e do processo eleitoral deste ano, é claro ao dizer expressamente que “o serviço de qualquer repartição federal, estadual ou municipal, autarquia, fundação pública, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo Poder Público, ou que realize contrato com esse, inclusive o respectivo prédio e suas dependências, não poderá ser utilizado para beneficiar partido político, federação ou coligação”. Determinando isso, faz referência ao caput do artigo 377 do Código Eleitoral.
Com o esmero de quem sabia exatamente quais objetivos precisava atingir ao atrair 280 bispos de diversas denominações evangélicas – Igreja Universal, Assembleia de Deus Ministério Madureira, Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Sara Nossa Terra e Evangelho da Graça, entre outros. Era necessário fazer com que aquela plateia de difusores (ou, por outra, “cabos eleitorais qualificados”) difundisse ao máximo o discurso de Jair Bolsonaro e as palavras carregadas de referências bíblicas à “missão” divina que ele teria “sobre a Terra”: vencer “o outro lado”, ou “aqueles lá”, ou “o diabo do passado”, como o ex-presidente Lula e o PT foram tratados nos discursos, sempre na condição de sujeitos ocultos nas frases ferinamente envenenadas.
Entre os eleitores que se dizem evangélicos, Lula e Bolsonaro estão tecnicamente empatados em intenções de voto. Dependendo da empresa de pesquisa, ambos oscilam entre 30% e 34% na preferência do subgrupo. Ferrenhamente apoiado pelos evangélicos em razão da “pauta de costumes” e de retrocessos sociais com a qual se elegeu em 2018, Bolsonaro esperava abrir larga diferença neste corte das pesquisas e compensar a fragorosa derrota que colhe no eleitorado feminino. Construir um evento de início de campanha para sedimentar-se como opção única do eleitorado evangélico (em 2022, cerca de 40% dos eleitores brasileiros) era o alvo da cerimônia ocorrida em prédio público, o Palácio do Planalto, organizada por servidores públicos, o Cerimonial da Presidência, e tendo como plateia de “pipoca” 90 deputados federais da base governista e mais oito senadores.
Em apertada síntese, como dizem os advogados, estava tudo irregular no evento de campanha bolsonarista no Planalto. Mesmo que a campanha eleitoral não tenha sido iniciada, partidos políticos adversários do PL de Bolsonaro na disputa em que ele tentará ser reeleito podem entrar com pedido de investigação e punição. Entre os ministros do Supremo Tribunal Federal há ao menos dois deles que consideraram o ato um acinte, um abuso e um desafio às regras de isonomia do trato eleitoral. A punição para Jair Bolsonaro e o PL podem ir desde advertência a multa de R$ 50.000,00 e, até, a uma improvável rejeição do registro da candidatura por cometimento de crime eleitoral. Improvável, contudo passível de análise.
O que disseram os bispos em suas falas de apoio e como o ato vai ser distribuído nas igrejas
Em sua fala, o bispo Abner Ferreira, líder da Assembleia de Deus Ministério Madureira, a maior e mais tradicional das denominações neopentecostais, disse que “há um chamamento em 2022, ano de eleição presidencial” e ainda acentuou: “estamos aqui por isso, e não podemos perder isso de vista”. O ex-presidente Lula tem ótimo relacionamento com o bispo Manoel Ferreira, pai de Abner, com que se encontrou no início deste ano. Há, entretanto, uma divisão de poder na família.
Referindo-se explicitamente ao PT e aos governos Lula e Dilma Rousseff, o bispo Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, fez um discurso claramente político e depreciativo a adversários de Bolsonaro (aliás, outra conduta vedada para cerimônias públicas em prédios oficiais segundo a legislação eleitoral). “Essa gente que quer governar o país? Deus nos livre disso. Estou mostrando aqui o império da safadeza e da roubalheira, da cultura da corrupção, que se instalou nesse país esses anos todos”, imprecou Malafaia, ele mesmo investigado por corrupção em diversos processos que envolveram o governo do estado do Rio de Janeiro na gestão de Wilson Witzel, que terminou cassado.
Marcos Pereira, deputado federal, presidente do Republicanos e bispo da Igreja Universal, também foi tão explicitamente eleitoreiro quanto Malafaia. “Duas bandeiras nos unem a todos aqui: a bandeira do Senhor e a bandeira do Brasil. Deus abençoe o Senhor, Deus abençoe o Brasil”, disse ao discursar.
Se restar alguma dúvida quanto aos objetivos político-eleitorais do ato ocorrido nas dependências do Planalto, organizado por funcionários públicos e tendo por finalidade maior a cabala de votos para Jair Bolsonaro, investigue-se, então, o por que de todos os bispos convidados terem deixado seus endereços eletrônicos com funcionários destacados para a missão: links com versões integrais e editadas do evento, em alta resolução, foram passadas aos animadores evangélicos com o propósito de difundi-los em todos os templos de cada uma das denominações ali presentes.
(Brasil 247).