Linha fina: A mais letal operação policial da história expõe o fracasso da ausência do Estado. Onde o poder público se retira, o crime impõe toque de recolher, domina a economia local e governa pela força. É hora de ocupar — com segurança, urbanismo e esperança.
Não existe soberania nacional onde o Estado tem medo de entrar.”
A Operação Contenção, no Rio de Janeiro, entrou para a história como a mais letal já registrada no país. Foram 121 mortos, entre eles quatro policiais — homens que tombaram em defesa da sociedade e da lei.
Apesar da violência da operação, ela revelou algo ainda mais grave: o Estado brasileiro perdeu soberania sobre parte do seu próprio território.
Há áreas do país onde o poder público não manda, não entra, não protege — e onde facções criminosas impõem toque de recolher, monopolizam o comércio de serviços e produtos, e atuam como verdadeiros “órgãos julgadores”, decidindo punições, cobrando “impostos” e controlando a vida das pessoas.
É um poder paralelo do medo e da morte, que ameaça a democracia, a economia e o próprio conceito de Estado brasileiro.
Soberania não se negocia: é dever do Estado ocupar e garantir ordem
O artigo 144 da Constituição é claro: a segurança pública é dever do Estado e direito de todos.
Isso significa que nenhum território brasileiro pode permanecer sob domínio de facções.
Cada rua dominada pelo tráfico, cada favela controlada por milícias representa um pedaço do Brasil fora do alcance da lei — um território tomado por governos paralelos que ditam regras, cobram taxas e controlam vidas.
É inadmissível que um país de dimensões continentais aceite viver com ilhas de soberania e arquipélagos de medo.
Permitir que o crime governe é abdicar da Pátria.
Por isso, impor ordem, segurança e presença estatal é mais do que uma questão policial — é um ato de defesa nacional.
Os heróis da Contenção: quatro vidas pelo dever
A operação deixou quatro policiais mortos:
Cleiton Serafim Gonçalves (42 anos), 3º sargento do BOPE, com 17 anos de corporação;
Heber Carvalho da Fonseca (39 anos), 3º sargento do BOPE, desde 2011 na PM;
Marcus Vinícius “Máskara” (51 anos), comissário da Polícia Civil;
Rodrigo Cabral (34 anos), inspetor da Polícia Civil, casado e pai de uma menina.
Esses homens deixaram famílias, sonhos e colegas que agora vestem o colete com o peso de uma farda enlutada.
Cada sirene que ecoa após uma operação dessas não é apenas o som de vitória: é o lamento de um país que ainda não aprendeu a evitar o confronto.
Eles representam o que há de mais nobre no serviço público — homens que deram a vida pelo dever, para que outros pudessem viver em paz.
Nenhum inocente morto — mas o retrato de um país ferido
Até o momento, não há registros de vítimas inocentes entre os mortos.
Segundo levantamentos preliminares, todos tinham longas fichas criminais, envolvimento com facções e histórico de crimes graves.
Isso mostra que o Estado agiu dentro da lei e atingiu alvos certos.
Mas não há o que comemorar.
Cada corpo — seja de policial ou de criminoso — é um lembrete de que o Brasil falhou na prevenção, falhou em garantir oportunidades, falhou em ocupar o território antes que o tráfico o fizesse.
E é justamente agora, no pós-operação, que se define o futuro: se o Estado não ocupar com urgência, o crime voltará a se reagrupar, a recrutar novos soldados e a retomar o controle dos territórios.
A ausência do poder público cria o terreno fértil para o renascimento das facções.
Por isso, a ocupação precisa ser imediata, planejada e permanente — com presença policial, ações sociais e políticas públicas que impeçam o retorno do poder paralelo.
Vitória Policial sem presença forte do Estado é apenas trégua provisória.
Operar é necessário. Ocupar é urgente.
A Operação Contenção foi necessária, mas não pode ser o ponto final.
De nada adianta o Estado entrar com fuzis e sair sem permanecer com escolas, saúde, cultura e emprego.
Sem presença constante, tudo voltará a ser como antes — e o Brasil continuará enxugando gelo.
O crime organizado não teme a polícia; teme a presença do Estado de verdade: com creche funcionando, escola aberta, posto de saúde equipado, cultura, esporte para as crianças e trabalho digno e esperança para os jovens.
Porque onde o Estado não chega com oportunidade, o tráfico chega com arma e salário.
E mais: o Estado precisa ocupar com planejamento urbano inteligente — reorganizando territórios, abrindo ruas, garantindo saneamento, transporte, serviço de internet, moradia digna e espaços públicos seguros.
Não há segurança sem urbanismo.
Becos e vielas abandonadas viram corredores do medo; mas ruas iluminadas, praças vivas e serviços públicos presentes viram caminhos de paz.
O urbanismo é, também, política de segurança pública.
Pernambuco precisa entender essa lição
Essa não é apenas uma realidade do Rio de Janeiro. Pernambuco vive uma crise ainda mais grave.
Nos últimos anos, o estado figura entre os mais violentos do Brasil, com índices de homicídios que superam os do Rio.
Aqui também há comunidades dominadas por facções, tráfico e milícias, onde o Estado é ausente e o medo é lei.
As delegacias estão sucateadas, o efetivo é reduzido, e os investimentos em inteligência e investigação são insuficientes.
Sem planejamento urbano, sem políticas sociais duradouras e sem presença constante, a violência avança, enquanto o Estado reage tarde e mal.
Pernambuco precisa aprender a lição da Operação Contenção: não basta reprimir — é preciso ocupar, planejar e transformar.
Segurança pública é soberania nacional
Enquanto existirem áreas controladas por facções ou milícias, o Brasil estará fragmentado.
O verdadeiro inimigo não é apenas o traficante do morro, mas a ausência do Estado que o permite crescer.
Garantir presença e autoridade pública em todos os territórios é defender a Constituição, a democracia e a soberania nacional.
Sem isso, o crime seguirá ditando regras, cobrando pedágio e criando suas próprias leis.
E um país dividido pelo medo nunca será verdadeiramente livre.
O pacto que o Brasil precisa
A Operação Contenção é um alerta: ou o Brasil cria um pacto nacional pela segurança e pela soberania, ou seguirá contando corpos.
Precisamos unir forças — União, estados e municípios — numa estratégia que combine inteligência policial, ocupação social, planejamento urbano e políticas de prevenção.
Chega de espetáculo midiático.
Chega de politicagem.
O que o povo quer é política de verdade, que leve paz às ruas e esperança aos lares.
Conclusão: sem soberania, não há futuro
A Contenção mostrou coragem, mas também escancarou o fracasso histórico do Estado brasileiro em estar presente onde mais precisa estar.
As mortes — de policiais e de criminosos — são o retrato de um país que há décadas confunde segurança com guerra e abandona seus próprios territórios.
Se queremos paz, precisamos de Estado.
Se queremos soberania, precisamos de presença.
É hora de o Brasil inteiro — da capital ao sertão — entender que segurança pública é projeto de país.
Porque onde o Estado não ocupa, o crime governa.
E sem soberania nos territórios, não há nação possível.
Áureo Cisneiros
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco e Defensor da Segurança Pública como Direito Fundamental
