Aos 40 anos, Embrapa busca manter relevância após transformar cerrado

Por Ricardo Banana
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Estatal de pesquisa agropecuária ganha novas funções e se lança no exterior, mas especialistas temem perda de foco

Elogiada por seu papel na transformação do Brasil numa potência agropecuária nas últimas décadas, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) completa 40 anos em abril com uma agenda muito mais abrangente do que em sua origem e o desafio de se manter relevante num ambiente cada vez mais competitivo e sujeito a revoluções tecnológicas.

Ao se tornar no governo Luiz Inácio Lula da Silva peça importante da busca do país por maior projeção global, a estatal ganhou atribuições diplomáticas e passou a ter como missão, além de gerar conhecimento, compartilhar sua expertise com nações subdesenvolvidas, principalmente na África.

Enquanto se lançava em novas frentes no exterior, a Embrapa viu seu orçamento crescer (em 2012, chegou a R$ 2,1 bilhões) e ampliou sua atuação também no Brasil. A empresa conta hoje com 9.812 funcionários, entre os quais 2.389 pesquisadores – desses, 81% têm doutorado ou pós-doutorado, dado que a torna uma das estatais com maior proporção de profissionais altamente qualificados.

A companhia também tem expandido seus campos de pesquisa: áreas em que atua há longa data – como melhoramento genético de grãos, hortaliças e gado – hoje convivem com estudos em nanotecnologia, pesca, tecnologia da informação e vinicultura.

A transformação em curso na empresa, no entanto, preocupa especialistas. Eles temem que, diante de tantas novas missões, a Embrapa negligencie questões prioritárias e não consiga acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas no setor privado.

Transformação do cerrado

Pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil unanimemente apontam como maior conquista da Embrapa a criação de tecnologias para corrigir a acidez do solo do cerrado brasileiro e a adaptação à região de plantas oriundas de outros biomas.

Antes das descobertas, até os anos 1970, o bioma era irrelevante para o agronegócio nacional. Hoje, segundo a estatal, responde hoje por 48,5% da produção do país.

Para o professor José Vicente Caixeta Filho, diretor da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), desde então os feitos da empresa ficaram aquém das expectativas. “Esperava-se que as contribuições da Embrapa continuassem, no mínimo, no mesmo nível dos seus primórdios, o que de fato não ocorreu”.

Segundo o professor, a internacionalização da empresa pode afastá-la de tarefas mais urgentes. “Talvez esse passo tenha sido um pouco acelerado em alguns países, sem tempo para reflexão.”

Em outubro de 2012, críticas internas à forma como a internacionalização da Embrapa estava sendo conduzida foram apontadas como a principal razão para que o então presidente da companhia, Pedro Arraes, pedisse demissão.

Para Caixeta, os esforços da empresa no exterior deveriam se voltar à consolidação de centros remotos da companhia no Brasil. “Temos muita lição de casa doméstica: é importante incrementar a pesquisa em outros biomas.”

Ele cita, entre os campos de estudo que mereceriam mais atenção da empresa, as florestas tropicais. Pesquisas nessa área, segundo o professor, permitiriam viabilizar a produção sustentável, por exemplo, de frutas típicas da Amazônia, que poderiam ganhar mercados no Brasil e no exterior.

Revisão da estratégia

Segundo o presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, a internacionalização da Embrapa “não tira o foco da empresa às assimetrias no Brasil”. Ainda assim, ele diz que a estatal está revendo sua estratégia na África. “Não faz sentido a Embrapa dispersar sua ação num grande número de países, fragmentando recursos que são sempre escassos.”

Hoje, a empresa atua em 22 nações africanas, além de manter programas em países latino-americanos, caribenhos e em Timor Leste.

Para o ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, a atuação externa da Embrapa não será um problema “desde que os recursos para esse tema não sejam maiores do que para desenvolvimento tecnológico interno”.

Ele defende que a Embrapa priorize, em suas pesquisas, a busca por novos fertilizantes. Segundo Rodrigues, o Brasil hoje importa quase 80% de alguns tipos de fertilizantes, cruciais para o aumento da produtividade das lavouras. “É um dado dramático”.

O ex-ministro diz ainda que a Embrapa tem competido no mercado em condições desvantajosas: enquanto a estatal vende aos produtores nacionais apenas novas variedades de plantas ou vantagens tecnológicas, multinacionais oferecem, além desses itens, crédito, máquinas, assistência técnica, fertilizantes, pesticidas e, em alguns casos, até compram a produção.

Rodrigues defende que, para fazer frente ao cenário, a Embrapa se associe a cooperativas, que também oferecem o pacote tecnológico e compram a produção dos cooperados.

Transgênicos

O reitor da Universidade Federal de Goiás e presidente da Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcoleiro), Edward Madureira, também considera que a Embrapa não tem conseguido competir com companhias privadas em alguns setores. “Hoje o setor privado tomou conta e tem o protagonismo no desenvolvimento de transgênicos para as principais culturas”.

Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa, reconhece que a empresa perdeu espaço no mercado de variedades de milho, soja e algodão, mas diz se tratar de processo natural. Segundo ele, “não faz nenhum sentido fazer investimento de recursos públicos para competir com empresas que são eficientes e estão provendo inovações para o mercado”.

Lopes afirma que a empresa está intensificando o trabalho de melhoramento genético em espécies em que o setor privado dificilmente investirá e que a Embrapa terá melhores condições de competir no mercado caso o Congresso aprove a criação de uma subsidiária da empresa voltada para negócios, proposta atualmente em tramitação.

Para Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o maior desafio da Embrapa será renovar seu quadro, à medida que os pesquisadores que a moldaram se aposentam.

Ela lembra que, em seu início, a companhia enviou aos Estados Unidos e Europa grande número de pesquisadores, para que fizessem mestrado e doutorado nas melhores universidades do ramo. Após a volta, diz ela, e com o auxílio de outros institutos de pesquisa, esses profissionais “criaram a agricultura dos trópicos”.

“Espero que os novos pesquisadores entrem com o mesmo espírito daqueles primeiros.” (BBC)

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