O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, disse na Câmara dos Deputados que é inevitável que decisões da corte desagradem alguém. Segundo ele, em todos os países democráticos existe tensão entre os Poderes, mas é papel dos tribunais constitucionais dar limite ao poder político majoritário. Ele participou do 2º Colóquio Franco-Brasileiro de Direito Constitucional, nesta quinta-feira (26).
Segundo Barroso, em vários países se questiona a legitimidade democrática dos tribunais constitucionais, já que o presidente da República e os parlamentares são eleitos, enquanto os juízes dos tribunais não são. Ele ressaltou, no entanto, que a democracia não é feita apenas do processo eleitoral e das maiorias políticas.
“A democracia pressupõe o respeito às regras do jogo, que se chama Estado de Direito, e pressupõe o respeito aos direitos fundamentais”, afirmou o ministro. “As maiorias políticas podem pretender mudar as regras do jogo para se perpetuarem ou podem violar direitos fundamentais. É para isso que existem tribunais constitucionais: para dar limite ao poder das maiores políticas.”
Peculiaridades do Brasil
Segundo Barroso, o Brasil tem, porém, uma peculiaridade que o distingue de outros países democráticos: a maior abrangência da Constituição e o grande número de entidades que podem questionar a constitucionalidade de matérias. “A gente julga desde interrupção de gestação de feto anencéfalo até importação de pneus, porque esse é o arranjo institucional brasileiro”, exemplificou.
A segunda peculiaridade, acrescenta o ministro, é que os julgamentos do Supremo Tribunal Federal são transmitidos pela televisão. “Se você está decidindo as questões mais importantes da sociedade brasileira, alguém sempre fica desagradado. Se você decide uma questão que envolve agricultores e comunidades indígenas, um dos dois fica chateado. Ou questões que envolvem agronegócio e meio ambiente, um dos lados fica chateado”, disse.
Para Barroso, o prestígio e a importância de um tribunal não pode ser aferido em pesquisa de opinião pública. “A gente está lá para desagradar mesmo muitas vezes, e é inevitável. Mas acho, honesta e sinceramente, que, se tem uma instituição que serviu bem ao Brasil nos últimos tempos, sobretudo na pandemia e na proteção das instituições democráticas, foi o Supremo Tribunal Federal.”
Pacificação
O ministro disse ainda que o Supremo, o Congresso, a imprensa e a sociedade civil colocaram, juntos, um limite ao avanço do populismo autoritário. Agora, ressaltou ele, é necessário um discurso de pacificação, o fim dos “discursos antagônicos criados artificialmente”, um “choque de civilidade”, e a “convivência com respeito e consideração”.
Nessa agenda de pacificação, segundo o ministro, a Constituição oferece um roteiro básico: erradicar a pobreza, fomentar o crescimento econômico, priorizar a educação básica, investir em ciência tecnologia, valorizar a livre iniciativa e o trabalho, garantir saneamento básico e habitação popular, e respeitar o meio ambiente.
Defesa do controle constitucional
Dominique Rousseau, professor da Universidade Sorbonne (Paris) e integrante do Tribunal Constitucional de Andorra, reiterou que, em todos os países do mundo, existe um questionamento da justiça constitucional, o que vem sendo chamado de “ativismo judicial”. Mas ele sustenta a tese de que o controle da constitucionalidade é essencial para a democracia, que não se restringe ao voto popular.
De acordo com o professor, a justiça constitucional é necessária para a democracia porque protege os direitos fundamentais e permite que o cidadão disponha de um instrumento de controle do trabalho de parlamentares eleitos.
Na avaliação de Dominique Rousseau, o controle de constitucionalidade feito pelos juízes não impede a atuação dos representantes do povo, apenas impede que abusem do seu poder, permitindo ao cidadão manter um “olho nos seus eleitos entre um momento eleitoral e outro”.
Alteração do controle de constitucionalidade
O deputado Alex Manente (Cidadania-SP), por sua vez, defendeu o aprimoramento dos controles de constitucionalidade do STF por meio da discussão, na Câmara, do PL 3640/23.
O texto apresentado pelo 1° vice-presidente da Câmara, deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), trata do julgamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade no STF, como ações direta de inconstitucionalidade.
Relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, Manente é a favor de diminuir o número de entidades que podem propor essas ações.
Para o parlamentar, é preciso discutir as funções do STF, que não funciona, na sua avaliação, efetivamente como corte constitucional. “Ele trata de todos os temas, porque acaba sendo uma instância recursal no nosso País”, afirmou.
Manente também defendeu proposta de emenda à Constituição de sua autoria que obriga o réu a iniciar o cumprimento da pena logo após a condenação em segunda instância – apelidada de PEC da Segunda Instância (PEC 199/19).
A aprovação da PEC, acredita o parlamentar, deixaria aos tribunais superiores, incluindo o STF, o papel apenas de correção do rito formal e constitucional.
Tornar Constituição prática
A 2ª secretária da Câmara dos Deputados, deputada Maria do Rosário (PT-RS), também participou do evento e afirmou que o direito constitucional é a base para o Estado democrático de direito.
Ela ressaltou que foi o constitucionalismo francês que trouxe os “ideais mais elevados e luminosos” das democracias constitucionais contemporâneas: a soberania popular e os direitos humanos. E lembrou que a Constituição, que completa 35 anos neste mês, trouxe os temas referentes aos direitos humanos entre as suas cláusulas pétreas.
“Porém, para um país marcado por fortes desigualdades e pela chaga do racismo, do escravismo e da violência, é preciso que a letra da Constituição torne-se prática”, disse. “Uma Constituição só se torna prática real quando se torna cultura, porque a cultura é que fomenta a prática. É preciso, portanto, uma cultura de apego ao texto constitucional”, completou.
Intercâmbio entre países
Marcos Pereira salientou que o intercâmbio intelectual entre Brasil e França “muito tem a enriquecer os estudos constitucionais no Brasil e reverbera nas atividades parlamentares”.
Embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain afirmou que os dois países colaboram cotidianamente nas questões jurídica e lembrou que a Constituição francesa acaba de completar 65 anos.
O 2º Colóquio Franco-Brasileiro de Direito Constitucional foi organizado pela Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis), pela Embaixada na França no Brasil e pela Câmara dos Deputados. A primeira edição do colóquio foi realizada em 2019.
Com informações da Agência Câmara de Notícias