Embora seja um dos principais produtores de grãos, carnes, aves e laticínios do mundo, o Brasil também registra um dos maiores índices de desperdício de alimentos em todo o mundo. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o país ocupa a 10ª posição no ranking dos que mais desperdiçam comida. Todo ano, cada brasileiro desperdiça, em média, 60 quilos de alimentos ainda em boas condições para consumo.
O estudo “O Alimento que Jogamos Fora”, realizado pela empresa de pesquisa digital MindMiners, em parceria com a Nestlé, com base em dados colhidos na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aponta onde o desperdício se concentra.
Segundo um documento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o país perde, anualmente, R$ 1,3 bilhão apenas em frutas, legumes e verduras. Contudo, 75% das pessoas acreditam que o maior causador do desperdício de alimentos é a população. Para donos ou funcionários de empresas do setor de alimentos, a percepção equivocada é a mesma: 66% culpam os cidadãos.
Para Gustavo Chianca, representante adjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, a redução das perdas e dos desperdícios é um tema que deve estar presente na agenda governamental de todos os países.
“As chaves estão na tomada de decisões baseadas em informações e dados de qualidade, nas alianças entre os atores do sistema alimentar, na aplicação de programas que promovam o consumo local, que apoiem os pequenos agricultores, e sensibilizem os consumidores para adquirirem hábitos e práticas mais sustentáveis”, afirma Chianca.
Milhares passam fome
A balança é bastante desequilibrada: enquanto a média mostra que cada brasileiro desperdiça cerca de 60 quilos de alimentos por ano, milhares de pessoas passam fome no país. Segundo um levantamento publicado pela ONU em julho deste ano, há 21 milhões de brasileiros que não têm o que comer todos os dias, e 70,3 milhões em insegurança alimentar. O relatório ainda contabiliza 10 milhões de pessoas desnutridas no país.
Só quem já passou fome entende o valor da comida. Uélio Ribeiro, de 38 anos, que hoje tira o sustento fazendo manutenção em carros, sabe bem como é a realidade de não ter o que comer. O mecânico nasceu em um povoado à beira do Rio Urucuia, no interior de Minas Gerais. Ele conta que, na infância, ele e os irmãos passavam dias sem comer ou se alimentavam apenas das frutas que tinham no quintal.
Uélio define como “revoltante” o desperdício de alimentos. “Eu passei fome boa parte da minha vida. Enquanto a mesa de uns está sem o mínimo para sobreviver, na casa de outros, a comida chega a estragar pela falta de atenção, pela compra do desnecessário e até mesmo pela falta de vontade de cozinhar. É revoltante. É muito triste”, conta.
A empresária carioca Paula Landau é idealizadora e fundadora do Empatia on Demand, uma iniciativa que compra quentinhas de microempreendedores do setor alimentício e as destina a quem tem fome. Para ela, o desperdício que mais a impressiona é o que acontece nos estabelecimentos comerciais.
O Empatia on Demand não só ajuda a matar a fome de pessoas em situação de rua e famílias carentes, como também auxilia chefes de família que perderam seus empregos Arquivo Pessoal
“Há tempos a gente teve uma lei que regulamentou a doação do excedente de comida de restaurante. Eles [os empresários do setor alimentício] sempre tiveram muita resistência em fazer a doação do excedente. Eu digo excedente porque, obviamente, não é aquilo que ficou no prato do cliente. Falo da comida que eles deixam pronta e vai para o lixo. É uma coisa que eu não compreendo. É uma comida de boa qualidade e que vai para o lixo”, desabafa Paula.
A empresária se refere à lei, sancionada em 2020, derivada de um projeto de lei do ex-senador Fernando Collor, que dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de refeições prontas para o consumo.
Dicas para evitar o desperdício
O estudo “O Alimento que Jogamos Fora” conversou com mais de 2 mil participantes, entre público geral, proprietários e colaboradores do setor alimentício. A pesquisa revelou que, para 85% das pessoas entrevistadas, combater o desperdício de alimentos no país é importante.
Entretanto, apenas 19% dos participantes acreditam que a população tem feito ações para reduzir as perdas.
Gustavo Chianca indica algumas soluções para reduzir o desperdício de alimentos. “Algumas dicas simples, que todo mundo pode fazer em casa: organizar um dia na semana para cozinhar e aproveitar ao máximo ingredientes, inclusive talos e cascas. Existem vários chefes de cozinha na internet que ensinam receitas com uso integral dos alimentos, e elas ficam deliciosas”, explica.
“Também é importante ter cuidado na hora de armazenar alimentos, colocando-os nos locais certos da geladeira e em um lugar de fácil visualização. Assim você evita que eles fiquem escondidos e estraguem. Quando for ao mercado, se puder, faça uma lista de compras e evite comprar em excesso”, alerta o representante adjunto da FAO.