O contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, usou sua rede de policiais para obter informações sobre operação da Polícia Federal e vazá-las para a chefe de gabinete do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Segundo relatório da Operação Monte Carlo da PF, Cachoeira trocou telefonemas e mensagens com Eliane Gonçalves Pinheiro que, como o senador Demóstenes Torres (sem partido), também foi presenteada com um telefone criptografado comprado no exterior para poder falar com o contraventor. Cachoeira usou o mesmo esquema de acesso a policiais para repassar informações sobre ações da PF à construtora Delta.
Num dos trechos das gravações interceptadas com autorização judicial, o contraventor pergunta a Eliane se ela falou “pro maior” (sic). Ela responde que sim, e acrescenta: “Estou com ele aqui. Tá aqui. Imagina como que tava”. Não fica claro se “o maior” é o próprio governador.
A ação em questão foi desencadeada no dia 13 de maio de 2011 com o nome de Operação Apate. O objetivo foi combater um esquema de fraudes contra a Receita Federal nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Pará e Minas Gerais. Foram expedidos 82 mandados de busca e apreensão e 13 mandados de prisão. A Receita Federal havia identificado indícios de que em Declarações do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF), apresentadas por prefeituras e outros órgãos municipais, havia informações falsas sobre retenções do imposto de renda. Os operadores do esquema contavam com a colaboração de alguns prefeitos e servidores do primeiro escalão municipal. A estimativa da Receita Federal é que o prejuízo aos cofres públicos tenha alcançado cerca de R$ 200 milhões.
Antes do telefonema, o contraventor trocou mensagens de texto com a chefe de gabinete de Perillo, informando da ação da PF. O primeiro torpedo ocorreu no dia 12 de maio do ano passado, às 20h16. Ele anuncia: “vai ter busca na casa e prefeitura, ok”. E ela responde: “ok, entendi.” Depois, continua Carlinhos: “somente busca.” E ainda dá conselhos: “pede a ele que tire as filhas de lá.”. Eliane tranquiliza o interlocutor: “elas estão na casa dele em Taguatinga. Vc. acha q eles vão procurar lá tbem? Ele tem as duas residências”. Carlinhos responde: “acredito q não. Uruaçu, Minaçu”, informa, referindo-se a dois municípios onde deveriam se desencadear as ações da Polícia Federal. Depois encerra: “Entendeu? Falou pro chefe?”
Delta também pediu dados
Doze minutos depois da troca de torpedos, o contraventor telefona para Eliane para confirmar se ela recebeu as mensagens.
Carlinhos: Eliane?
Eliane: Estou ouvindo.
Carlinhos: Falou pro maior (sic)?
Eliane: Falei, estou com ele aqui. Tá aqui. Imagina como que tava.
Antes de encerrar o diálogo, a chefe de gabinete de Marconi Perillo procura saber se a operação da Polícia Federal tem mais gente envolvida.
Carlinhos: Não. Já, já eu te falo. O que eu sei é esses aí (sic). Num (sic) tem ninguém grande não.
Mas Eliane insiste para que ele a avise sobre as novidades: Se você ficar sabendo, me fala. Tem uns pequenos aí que interessa (sic) a gente.
Por meio da assessoria de imprensa, Eliane confirmou que conhece Carlinhos desde 2003. Sobre os diálogos, ela afirma, que a Eliane citada em relatório da PF pode ser uma advogada. No relatório da PF, Eliane é identificada pelo sobrenome, número do CPF e até os telefones utilizados por ela. A chefe de gabinete de Marconi Perillo negou que tenha recebido um Nextel de Cachoeira e afirma que foi um amigo, Wladimir Garcez, que lhe emprestou um aparelho quando ela fez uma viagem ao exterior. Garcez é ex-vereador e, segundo a Polícia Federal, também integra o esquema de Carlinhos Cachoeira. Há vários diálogos interceptados entre os dois. O governador Marconi Perillo disse, por meio da assessoria, que desconhece qualquer relação entre sua chefe de gabinete e Carlinhos Cachoeira.
Relatório da Polícia Federal mostra que Cachoeira também repassou informações para Cláudio Dias Abreu, ex-diretor da construtora Delta em Goiás. Conversas interceptadas pela PF revelam que Abreu recorreu ao amigo para se proteger de eventual investigação sigilosa da Polícia Federal. Integrantes da organização conversam também sobre movimentação financeira supostamente irregular da empresa.
Abreu recorreu aos serviços de Cachoeira em 14 de julho do ano passado para saber sobre operação que a Polícia Federal faria no Pará.
“É deixa eu te falar, nós ficamos sabendo que vai ter uma operação lá no Pará, dá pra você levantar se vai ter reflexo aqui?”, pede o executivo.
Cachoeira diz que, se houvesse reflexo, um dos delegados subordinados à organização já teria vazado a informação. Segundo relatório da polícia, Cachoeira tinha uma extensa rede de espionagem.
Em outros diálogos, aparecem referências a suposta lavagem de dinheiro utilizando fornecedores da empreiteira. Por intermédio da assessoria de imprensa, o presidente do conselho da Delta, Fernando Soares, negou qualquer vínculo da empresa com Cachoeira. Segundo ele, Abreu foi afastado em 8 de março, uma semana depois da deflagração da operação. “A Delta Construção está em atividade há 50 anos. Tem uma longa tradição no mercado de construção civil e hoje figura entre as sete maiores e mais respeitadas empresas do setor”, disse a assessoria da empresa.
Da Agência O Globo
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