Como mudar o sistema educativo para transformar o mundo

Por Ricardo Banana
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“Se queremos melhorar nossa sociedade, precisamos de pessoas mais completas. Isso é algo que só conseguiremos se mudarmos a educação”, afirma o chileno Claudio Naranjo, de 87 anos, ex-professor da Universidade Berkeley, psiquiatra, escritor cuidadoso e, possivelmente, um dos grandes sábios do conhecimento humano. Há décadas, iniciou uma cruzada para conseguir que a educação seja mais humanista e permita o desenvolvimento integral da pessoa. Elabora esse propósito através de uma formação em autoconhecimento, que já foi oferecida a mais de 100.000 pessoas de 10 países nas últimas décadas. Sua paixão é promover a transformação do sistema educativo e passar do modelo atual – patriarcal e hierárquico, que confere primazia a tudo relacionado com o intelecto – a um sistema integral que fomente o humanismo. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.

Na educação atual, as crianças e os jovens são tratados como meros espectadores que devem se ajustar a certos padrões. Poucas vezes têm a possibilidade de descobrir todo o seu potencial. Naranjo ilustra isso com uma metáfora: “A educação se parece mais com a jardinagem do que com a carpintaria.” Em sua opinião, enquanto um carpinteiro segue um plano preestabelecido sem se desviar, o jardineiro encara o mistério. Desconhece qual será o resultado do seu trabalho e deixa os espaços de liberdade ao ser que acompanha e ajuda. Quando se educa em liberdade, o resultado são mentes aguçadas, criativas, que não vivem pela metade e que não vão ao colégio só para ir bem na prova ou cumprir tarefas rotineiras. Para dar esse passo, contudo, é preciso tomar decisões importantes e corajosas que dependem de cada um de nós. Vejamos algumas propostas do nosso especialista.

1. Educar os educadores. Naranjo não se refere à formação em conhecimentos técnicos, como matemática e língua portuguesa, mas a aspectos mais profundos. Para isso, sugere que os professores entrem no mundo do desenvolvimento pessoal. Que vivam seu próprio processo de transformação, embora ensinem disciplinas de ciência pura. É difícil ajudar alguém a aceitar o erro, a superar seus conflitos e a não rotular os outros na primeira oportunidade se essa pessoa não trabalha antes as suas próprias dificuldades. Por isso, não surpreende que Naranjo tenha criado o programa SAT (“ser e verdade”, em sânscrito), formação que ministra através da sua fundação usando diversas ferramentas. Uma delas é o eneagrama, do qual Claudio é o maior estudioso e promotor mundial. Trata-se de um dos mapas humanos mais minuciosos. Graças ao eneagrama, é possível classificar a personalidade em nove tipos com subtipos correspondentes.

2. Integrar os três cérebros na educação. Somos mais que o intelecto, mas a maioria dos sistemas educativos se concentra nessa parte. Naranjo propõe incluir uma vertente espiritual que nada tem a ver com a religiosidade, e sim com as emoções e o instinto – que tem sido profundamente penalizado, quando o mais adequado seria lhe dar um espaço, tê-lo como um aliado. Quando conseguimos isso, alcançamos níveis maiores de energia que nos ajudam a compreender quem somos de uma maneira mais completa.

3. Educar no humanismo. Num mundo tão tecnológico como o atual, é mais importante do que nunca regressar a aspectos essencialmente humanos, como o cultivo da paz interior, a generosidade e o amor próprio. Só assim podemos amar os demais. A sociedade foca em fazer boas provas no colégio e adquirir conhecimentos do mundo exterior, mas não em aprender a aceitar nossas sombras. Como resume Naranjo: “Quanta vida perdemos colocando na cabeça coisas que não servem para nada?”

4. Eliminar a superproteção. O excesso de perfeccionismo nos levou a gerar infinitas normas sobre como nossos filhos e alunos deveriam ser. Muitas vezes, aplicamos essas regras de forma inconsciente. O modelo educativo proposto por Naranjo baseia-se em reconhecer as crianças como pessoas, independentemente da idade, com direito de opinar e expressar o que sentem. Isso as ajuda a descobrir seu potencial sem a imposição de estereótipos.

5. Foco na comunidade. A educação é mais ampla do que aprender conceitos na escola. É o trabalho da sociedade em seu conjunto, em que todos agimos e somos responsáveis de uma forma ou de outra. O trabalho de impulsionar uma mudança na educação que sirva para transformar o mundo depende de cada um de nós.

Em suma, educar em liberdade exige romper esquemas e crenças tradicionais sobre crianças e jovens, mas também sobre a educação em si. O passo para a mudança começa com os educadores, pais, professores e a sociedade como um todo, que deve assumir o desafio e começar um crescimento interior. Essa é a proposta de Naranjo, uma pessoa muito querida e reconhecida que há décadas contribui para que este mundo seja um pouco melhor.

Fonte: El País

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