Os deputados federais Danilo Cabral e Julio Delgado, ambos do PSB, protocolaram um projeto de lei (3871/2020) para coibir o abuso de autoridade de servidores que forem flagrados cometendo algum tipo de infração e usando da posição hierárquica para intimidar e constranger outros agentes públicos no exercício de suas atividades. Os parlamentares argumentam que a “carteirada” ficou mais explícita durante a pandemia provocada pela Covid-19.
“A pandemia, na verdade, explicitou um traço cultural ainda arraigado na sociedade brasileira, da crença de alguns, por se encontrarem em alguma posição diferenciada por sua condição social, poderem fazer uso dessa condição para não cumprirem as determinações legais que devem ser aplicadas a todos de forma igual, conforme está na Constituição”, afirma Danilo Cabral. Ele destaca que todos são iguais, são cidadãos, e devem estar submetidos às mesmas regras que regulam o estado democrático de direito.
“O fato de ocupar uma função ou ser próximo de alguém que ocupe uma função mais relevante no estado brasileiro não lhe dá o direito de não se submeter às mesmas regras. Isso deve ser aplicado a todos, desde os que estão no topo do Estado, exercendo as funções públicas mais relevantes, aos que estão na ponta. A lei é igual para todos”, acrescenta Danilo Cabral.
A lei cria condições de defesa para o agente público que fica em risco quando exerce sua atividade, ou aplica leis contra autoridades de hierarquias superiores, ou pessoas a elas relacionada. Além disso, segundo ele, a proposta trata de mecanismos dedicados à inibição de tais práticas comuns no estado brasileiro. “Queremos jogar uma lupa sobre o debate, reforçar as penalidades para aqueles que a pratiquem e avançar na construção de uma sociedade que seja efetivamente democrática em todos os sentidos”, explica Danilo Cabral.
O recente caso do desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que humilhou um guarda civil ao ser abordado na praia de Santos por não usar máscara facial enquanto caminhava, revela essa cultura do desrespeito e não é isolado. No início do mês, um fiscal da Prefeitura do Rio de Janeiro também foi constrangido durante fiscalização da Vigilância Sanitária em bares da capital fluminense. Frequentadora de um desses estabelecimentos, uma mulher se dirigiu ao fiscal após ele buscar diálogo com seu marido, o chamando de cidadão. “Cidadão não, engenheiro civil, formado, melhor do que você”, disse ela, em vídeo que viralizou na internet.
A “carteirada” é no Brasil uma prática comum que torna o trabalho de agentes públicos como fiscais, guardas municipais, auditores, policiais civis e militares dentre outros, alvos frequentes de perseguição por parte de más autoridades, ou pessoas a elas relacionadas, que usam seu status de forma, absolutamente, irregular para se blindarem como cidadãos especiais não suscetíveis às leis comuns. Essa prática comum torna por sua vez a atividade dos agentes públicos suscetíveis a serem permanente penalizados, perseguidos ou inibidos pela prática correta de sua atividade.
De acordo com Julio Delgado, o projeto de Lei trata de situações específicas nas quais as autoridades citam ou apresentam seu cargo como justificativa para não adequação a determinadas leis, normas ou regulamentos categorizando tal prática como ilegal, passível de penalidade. O texto estabelece dois tipos de penas.
A primeira para a autoridade que exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida receberá suspensão da função pública por período de dois anos e multa pecuniária. Para quem desrespeitar ou humilhar outro agente público no exercício legítimo de sua função utilizando a “carteirada” como intimidação à manutenção da ordem, das exigências no cumprimento de leis, normas, dentre outros; receberá suspensão da função pública por período de dois anos, e multa pecuniária.
“A carteirada não está tipificada na Lei de Abuso de Autoridade. E temos que colocá-la, principalmente no período da pandemia, onde está se colocando o agente público na rua, que está enfrentando todas as pessoas indistintamente”, destaca Julio Delgado.