Desembargador sobre morte de reitor: “fascistas estão de volta”

Por Ricardo Banana
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Com quase nenhum destaque na imprensa, o discurso de um desembargador em Santa Catarina nesta semana emocionou todos os presentes na Sessão Solene Fúnebre do Conselho Universitário e do Conselho de Curadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo.

Lédio Rosa de Andrade, desembargador do Tribunal de Justiça (TJ-SC) e professor de Direito da UFSC, amigo pessoal de Cancellier, alertou que o atual cenário político brasileiro não é diferente de uma ditadura.

Assista abaixo:

Emocionado, o desembargador fez um chamamento para que o Brasil abra os olhos para o momento que atravessa. “O momento é grave, é perigoso, e precisa de ação”, afirmou.

O desembargador lembrou da luta por democracia junto com Luiz Carlos e outros jovens, nos tempos de aluno da UFSC, na época da ditadura militar. “Achávamos que tínhamos derrubado a ditadura. Cometemos um erro. Porque os ditadores de espírito nunca morrem, eles estão sempre aí. Estão aqui neste momento, alguns deles. Esperando a hora de voltar, sempre”, desabafou. “Essa luta [contra a ditadura] nunca acaba. Se nós descansarmos, eles voltam”, completou.

Lédio também criticou a atuação da grande mídia e de alguns setores do Judiciário nas operações de combate à corrupção. “Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam”, destacou.

O professor de Direito encerrou seu discurso convocando o País a combater as práticas fascistas que vêm tomando conta da Nação antes que seja tarde demais. “Esta noite fiquei a pensar quando a Humanidade errou e não parou Hitler no momento certo, quando a Humanidade errou e não parou Mussolini no momento certo… Eles estão de volta. Será que vamos errar de novo e vamos deixá-los tomar o poder?”, conclamou. “A democracia não permite descanso. Eles [os fascistas] estão de volta. Temos que pará-los”, completou.

Confira outros trechos do discurso do desembargador, transcrito pelo jornalista Washington Luiz de Araújo, do Bem Blogado

“Eu hoje, como professor da UFSC, sou uma pessoa que tem orgulho e alegria, como desembargador, tenho vergonha!” Com voz embargada pela emoção, chorando às vezes, o companheiro de vida estudantil de Cao colocou o dedo na ferida do fascismo dentro do judiciário, na imprensa e na sociedade,  flanado para um auditório com quase 1.400 pessoas. Leiam:

Emoção
“Tentarei, num esforço muito grande, manter um mínimo de racionalidade. Uma tristeza profunda me corrói por dentro, uma raiva forte. Uma indignação maior ainda diz que nós temos que ir adiante. Que o podemos parar. O momento em que nosso país passa é grave, é perigoso, precisa de ação”.

A luta contra a ditadura militar
“Chegamos a esta universidade como alunos de Direito e enfrentamos a ditadura militar, a arma do governo. Fizemos (no hall da reitoria) as maiores assembleias no tempo da ditadura. Milhares e milhares de alunos sentavam-se no chão e nós usávamos a escada como palanque para denunciar a prepotência e para defender a autonomia e a liberdade da universidade pública e gratuita.

Nós sabíamos que não estávamos no estado democrático de direito. Sabíamos que poderíamos ser presos. Sabíamos dos colegas e amigos presos, torturados e alguns assassinados, porque aquele era o regime que nos administrava. Mas não esmorecemos, fizemos nossa luta e ganhamos, porque acabamos com a ditadura. Ela terminou.”

De estudantes a professores
“Trocamos de lado, de estudantes passamos a professores desta casa. E como o Cao se orgulhava disso, como gostava disso! Como ele tinha nisso sua vida!
E construiu outra vida, típica de professor aqui em Florianópolis. Apartamento de professor, nem carro tinha. Vida de professor, prática de professor.”

Cao, de professor a reitor
“E foi nestas condições que chegou ao seu maior sonho, a reitoria desta universidade. Claro que todos nós temos vaidade, temos um ego e precisamos dele para viver o dia a dia. É claro que chegar a reitor tem um pouco de ambição. Mas, acima de tudo, acima da ambição, o Cao tinha a vocação, tinha o desejo pelo ensino. Tinha vontade fazer da UFSC o que estava fazendo, com a sua equipe, uma das maiores universidades deste país.

De volta, a ditadura
“E vejam que coisa, a ditadura não nos prendeu. Nós achávamos que tínhamos a derrubado. Cometemos um erro, pois os ditadores de espírito nunca morrem. Estes estão sempre aí. Estão aqui, neste momento, alguns deles, esperando a hora de voltar. Sempre! Esta luta não acaba. E se nós descansarmos, eles voltam.

Quando se fala em estado democrático de direito, estamos falando de muito sangue, de muita guerra. De conquistas feitas com suor e com o esforço dos nossos antepassados. Quando se fala em ampla defesa, de estado democrático de direito, de contraditório, Isso não é brincadeira. Estes néscios, que estão por aí falando bobagens, não sabem o que é ditadura, não sabem que eles serão os primeiros a clamar por estado de direito daqui a pouco.

E foi dentro destas condições que o Cao se deparou com a mais perfeita ditadura; que é a ditadura feita em nome da moral; a ditadura feita em nome da justiça; a ditadura feita em nome da democracia”.

Imprensa e judiciário deturpados
“É claro que o estado democrático de direito precisa de uma imprensa livre. É claro que o estado democrático de direito precisa da independência do judiciário, que os juízes julguem livremente sem pressão. Só que também é claro que estas instituições, absolutamente importantes para a democracia, a cada dia, a cada momento são deturpadas.

Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa privada para impor desejos privados à coletividade.

Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam.”

Cao encontra a pior das ditaduras
“Como professor de Criminologia, levei uma vez meus alunos à penitenciária. Me levaram ao setor de segurança máxima, onde o Cao passou uma noite. Eu tive uma crise de pânico pela opressão arquitetônica. Não aguentei, saí correndo de lá.

Estava lá por livre e espontânea vontade. Fiquei a imaginar e se tivessem tirado a minha roupa, se tivessem me feito uma revista íntima, se tivessem me acorrentados nos pés e nas mãos, eu morreria lá naquela noite. Eu não sairia de lá vivo, e o Cao saiu. E o Cao saiu.

O Cao, que sempre lutou com flores nas mãos contra canhões, que sempre usou a palavra contra a insensatez, que sempre conversou e que nunca causou mal a ninguém, acabou encontrando a pior das ditaduras. Acabou encontrando aqui que nenhum nós quer passar.”

A lição deixada pelo professor Cao
O Cao sempre foi professor e morreu como professor, nos dando a última lição. A última lição de nosso mestre foi a de que contra a mais absoluta injustiça, que contra o terrorismo de estado só a tragédia pode chamar a atenção de uma população que vive uma histeria coletiva. Só a tragédia.

Os fascistas estão de volta
Esta noite, com dificuldade de dormir, fiquei a pensar quando a humanidade errou e não parou Hitler no momento certo. Quando a humanidade errou e não parou Mussolini no tempo certo. E fiquei pensando: eles estão de volta. Será que nós vamos errar de novo e vamos deixá-los tomar o poder. Será que precisamos trocar as flores por armas e fazermos outra guerra para derrubá-los. Será que já não basta. Será que já não é hora de todos nós nos unirmos e exigirmos consequências, se a família assim o quiser? De irmos até as ultimas consequências pedindo que sejam apurados estes atos de arbitrariedade?

Temos que pará-los
Bertold Brecht já nos disse que, não só os vizinhos, já estão levando nosso amigos próximos e vão nos levar.

A vida é isso, companheiros: é luta permanente e a democracia não permite descanso. Eu hoje, como professor da UFSC, sou uma pessoa que tem orgulho e alegria, como desembargador, tenho vergonha!

Porcos e homens e se confundem. Fascistas e democratas usam as mesmas togas. Eles estão de volta. Temos que pará-los. Vamos derrubá-los, novamente.” (247)

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