Por André Fleury Moraes, do jornal Debate – Ninguém sabe, ninguém fala a respeito e tudo se limita a uma questão local. Assim tem sido a postura da cúpula nacional do Podemos desde que estourou o escândalo de desvios do fundo partidário em Santa Cruz do Rio Pardo, coordenado por pessoas que nunca moraram na cidade, em 2020. Mas a situação pode mudar a partir de agora.
O caso tinha ares de grandeza já quando foi revelado. E documentos obtidos pelo DEBATE evidenciam que os nomes que participaram do esquema de corrupção em Santa Cruz são conhecidos há muito tempo não só pelo alto escalão do Podemos, liderado pela deputada Renata Abreu, mas também por Marco Feliciano — ex-membro do partido que hoje está no Republicanos.
Eleito deputado federal pelo PSC (Partido Social Cristão) em 2010, o pastor é um ícone do fisiologismo no Congresso e sempre se adaptou a quem esteve no poder.
Quando concorreu pela primeira vez, em 2010, apoiou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), para quem chegou a gravar vídeos pedindo votos. Mas hoje é um grande aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Influente por sua atuação evangélica — ele é ligado à Assembleia de Deus —, Feliciano nasceu em Orlândia, no interior de São Paulo. Ele se filiou ao Podemos em 2018, mas ao menos desde 2011 conhecia dois homens que, anos depois, se tornariam pivôs de um escândalo de corrupção em Santa Cruz do Rio Pardo — e ao lado de uma antiga aliada da família Abreu, que comanda o Podemos: a contadora Fátima de Jesus Chaves.
Seus nomes são Juraci Barbosa, ex-presidente da comissão provisória do partido em Santa Cruz, e Fábio de Oliveira Silva, o tesoureiro da agremiação. Os dois nunca pisaram na cidade e participaram de um diretório cuja conta bancária foi aberta numa agência em São Paulo.
A relação entre eles, para muito além da amizade, também envolveu negócios. Juraci foi um assessor relâmpago de Feliciano na Câmara dos Deputados. Ele foi nomeado pela primeira vez em 15 de março de 2011. Quinze dias depois, porém, deixou o cargo. Voltou ao Congresso em 11 de outubro daquele mesmo ano — e ficaria pouco tempo, até ser demitido em 20 de dezembro.
Não se sabe o motivo pelo qual Juraci protagonizou uma passagem tão curta no gabinete do pastor — procurados, eles não responderam. Nas duas ocasiões em que foi contratado e demitido, tempos depois a Câmara baixou portaria tornando “sem efeito” a sua nomeação.
Em 2020, Feliciano deixou o partido após ser expulso por infidelidade partidária.
Ao que tudo indica, foi na curta passagem pelo Podemos que o pastor conheceu a contadora Fátima Chaves — a santa-cruzense que é prima das proprietárias da “Clínica dos Pés”, onde “funcionava” a sede do Podemos no papel. Teria sido com ela que o pastor trocou os contatos que viriam a formar a comissão provisória do partido santa-cruzense.
Segundo a Justiça, a sigla foi criada “unicamente para desviar recursos do fundo partidário”.
Os nomes que pertencem à antiga agremiação aparecem de maneira gradual nos anais do Congresso e no entorno de Feliciano. Fátima Chaves, entretanto, está ao lado dos Abreu desde 2011 e só se distanciou da família quando o escândalo em Santa Cruz veio à tona.
Em 2013, já deputado federal, Feliciano bancou com verba pública a edição de um livro impresso em Franco da Rocha, a cidade onde moram as pessoas que vieram a Santa Cruz para fundar e desviar recursos do Podemos municipal.
Para a empreitada, contratou a empresa “Menorah Music Discos e Livros”. A publicação, que teria sido a respeito de sua atuação parlamentar, custou R$ 67.500 — valor que foi pago à vista com dinheiro público.
Quem assina a declaração sinalizando que os serviços foram prestados é ninguém menos do que Fábio de Oliveira Silva — o ex-tesoureiro do Podemos de Santa Cruz do Rio Pardo. Embora seu nome conste no documento, a empresa pertence a uma parente dele, Suzana de Oliveira.
A reportagem não conseguiu contato com nenhum deles. O próprio gabinete de Marco Feliciano na Câmara dos Deputados não atendeu aos telefonemas feitos na quinta-feira, 9.
Um dos maiores aliados do pastor é Roberto Figueira Marinho, assessor especial do deputado desde 2012. Nascido em 1977, ele é tecladista e gosta de disputar eleições — embora não tenha vencido nenhuma até hoje.
Filiado ao Podemos, Marinho tentou uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo em 2018 e gastou R$ 389 mil em campanha. Sua única fonte de receita foi uma verba do fundo eleitoral que veio diretamente de Brasília, autorizada pela presidente do Podemos Renata Abreu. Foram R$ 418 mil.
Sua campanha não foi vitoriosa, mas contou com gente conhecida.
Quem coordenou a contabilidade da disputa, por exemplo, foi exatamente a assessora Fátima de Jesus Chaves — que embolsou R$ 229 mil do fundo partidário em Santa Cruz do Rio Pardo por serviços prestados a um partido que nunca existiu. Para Marinho, naquela eleição, ela cobrou nada menos do que R$ 70 mil.
Outros nomes aparecem na sequência. Quem “coordenou a militância” da campanha de Marinho foi ninguém menos do que Juraci Barbosa, presidente da comissão provisória do Podemos de Santa Cruz e que enfrenta um impasse na Justiça Eleitoral. Ele recebeu R$ 29 mil pelo serviço.
Tesoureiro do Podemos santa-cruzense, Fábio de Oliveira Silva foi responsável pela “coordenação financeira” da campanha de Marinho, tarefa pela qual recebeu R$ 15 mil.
A contadora Fátima Chaves prestou serviços como pessoa física e jurídica na campanha de 2018. Somados os trabalhos, ela recebeu R$ 549 mil no pleito daquele ano.
Deste valor, R$ 140 mil vieram de Marco Feliciano, então candidato pelo Podemos cuja campanha foi inteiramente financiada pelo partido, que destinou R$ 1,2 milhão ao pastor.
Feliciano, que buscava a reeleição, também contratou seu velho conhecido Fábio de Oliveira Silva para coordenar o departamento financeiro da campanha. Anos antes, Fábio havia sido o empresário que editara livros do mandato do deputado.
A ligação entre os membros da antiga comissão provisória do Podemos de Santa Cruz e o Diretório Nacional do partido evidencia que, ao contrário do que diz a alta cúpula da sigla, o caso não é uma “questão local”.
Condenado pela Justiça Eleitoral por uso irregular do fundo partidário em sentença que determinou o envio dos caso para ser investigado pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente do Podemos Juraci Barbosa insiste em sua defesa que todos os serviços bancados com a verba foram efetivamente prestados.
Na semana passada, ele depositou como caução — uma forma de garantia de que o dinheiro devido será restituído aos cofres públicos — as três parcelas que restavam como garantia para recorrer à segunda instância e tentar reformar a sentença do juiz Rafael Martins Donzelli, de Santa Cruz.
A advogada que encampou a defesa de Juraci até o ano passado é Fabiana de Araújo Pires Carlos, a mesma assessora jurídica da campanha de Marco Feliciano — serviço pelo qual recebeu R$ 160 mil.
Ela prestou a mesma assessoria para a campanha de Roberto Figueira Marinho, atual assessor de Feliciano e candidato derrotado à Assembleia Legislativa de São Paulo. Cobrou R$ 50 mil pelo trabalho.
Fabiana, que deixou a defesa do ex-presidente no ano passado, é sócia do escritório “Novaes e Pires Advogados”. Seu parceiro de trabalho é Rafael Novaes da Silva, assessor de Marco Feliciano.
O deputado e pastor evangélico recebeu 199 votos em Santa Cruz do Rio Pardo nas eleições de 2018.
(Brasil 247).