Há cerca de duas semanas, reportagem de O Globo estarreceu o país ao informar que o então recém-lançado programa de governo de Marina Silva deixava o pré-sal “em segundo plano” e pregava investimento prioritário em energia solar e/ou eólica – tais formas de geração de eletricidade são consideradas inviáveis em um país tão grande por conta do alto custo.
Além da questão do petróleo, outros pontos da reportagem do jornal da família Marinho estarreceram a sociedade. Abaixo, trecho da matéria.
“(…) Para a energia elétrica, Marina prevê um sistema chamado ‘multimodal’, com a adoção de diferentes maneiras de obtenção de energia. Hidrelétricas em construção na Bacia Amazônica serão terminadas, mas novas obras passarão por análise criteriosa antes de serem aprovadas. O uso de termelétricas deverá ser reduzido gradativamente. Já as energias eólica e solar serão prioridade (…)”
Ao lado do recuo de Marina no apoio aos direitos dos homossexuais, sua anunciada redução de investimentos na exploração do pré-sal vem sendo considerada responsável por sua queda nas pesquisas.
Para que se possa mensurar a dimensão desse equívoco político – entre outros – da candidata do PSB, em pouco mais de uma semana ela perdeu toda a vantagem que tinha sobre Dilma Rousseff nas simulações de segundo turno. Sua vantagem, que chegou a ser de 10 pontos, caiu para 1%. Ou seja, desapareceu, porque as margens de erro são iguais ou maiores que 2%.
Com a péssima repercussão da posição de Marina sobre o pré-sal, ela tratou de correr atrás do prejuízo. Como em várias outras questões, tratou de emendar seu programa de governo, que já vem sendo chamado de “colcha de retalhos”. Várias menções ao pré-sal foram inseridas naquele programa. Trechos que geravam dúvida foram retirados.
Na última segunda-feira, porém, segundo a Folha de São Paulo o ex-tucano Valter Feldman, coordenador da campanha de Marina, voltou a pôr água na fervura ao criticar o modelo de partilha para exploração do pré-sal. Vale a leitura da matéria, para quem não leu.
Não há nenhuma novidade na posição de Feldman sobre o pré-sal, ainda que a posição que anunciou seja de Marina.
Em junho de 2010, porém, em discurso na Câmara dos Deputados, Feldman, além de atacar o modelo de partilha para exploração do pré-sal, já demonstrava não entender o espírito desse modelo. Abaixo, trecho daquele discurso.
“(…) O regime exploratório para essas jazidas será único, especial, sui generis para a PETROBRAS, que, é bom ressaltar, não terá de pagar participação especial ou bônus de assinatura (…)”
Feldman nunca entendeu nada. O leilão do campo de Libra, em 21 de outubro do ano passado, segundo matériado portal G1 rendeu nada mais, nada menos do que 15 bilhões de reais. Feldman, porém, queria que a Petrobrás pagasse o “bônus de assinatura”. Por que? Seríamos nós que estaríamos pagando, se a estatal pagasse. Quem tem que pagar são os parceiros estrangeiros, ora.
Observação: para quem não sabe, bônus de assinatura é um pagamento que a empresa que irá explorar um determinado campo de petróleo faz quando assina o contrato de exploração.
Agora, porém, as idas e vindas de Marina Silva levaram seu staff a novo equívoco. Ao defender o modelo de concessão para os campos do pré-sal que ainda serão licitados, o ex-tucano anuncia que sua candidata a presidente, caso se eleja, pretende fazer uma privatização branca do pré-sal – ou da parte dele que ainda não foi licitada.
Vamos colocar a situação em linguagem bem simples para que todos possam entender. Há dois modelos de exploração de petróleo que convivem hoje no Brasil e nenhum dos dois é privatização. Mas por que, então, o título do post diz que Marina quer “privatizar” o pré-sal?
O programa de governo de Marina, segundo Feldman insinua, pretende adotar o modelo de concessão para os campos do pré-sal que ainda não foram licitados. Nesse modelo, o concessionário é dono de todo o petróleo que extrai. Já no regime de partilha, o Estado é o dono do petróleo produzido.
Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, propôs e sancionou a Lei do Petróleo, uma lei ordinária que revogou a Lei N° 2004 e, assim, acabou com o monopólio estatal do petróleo no Brasil e criou o modelo de concessão. Esse modelo continuou sendo usado no governo Lula, porém só nas situações em que é adequado.
Em linguagem bem simples, vale explicar que o modelo de concessão é adequado quando não se tem certeza de que há petróleo naquela área a ser prospectada pela empresa que lá irá atuar. O risco de não encontrar petróleo, nesses casos, é grande, mesmo que estudos indiquem a possibilidade de ali existir petróleo.
Faz sentido adotar o modelo de concessão quando o caso é esse. Se a empresa privada que explora aquela área não encontra petróleo, fica com o prejuízo; se encontra, torna-se dona do petróleo encontrado.
No caso do pré-sal, porém, é um descalabro a mera hipótese de usar o modelo de concessão simplesmente porque o petróleo já foi localizado, já existe certeza de que está lá. Basta, então, perfurar o solo e extrair a riqueza.
Em uma metáfora bastante adequada, entregar os campos do pré-sal sob regime de concessão equivale a vender um bilhete premiado por uma fração do prêmio, coisa que ninguém faria em sã consciência. Porém, por inacreditável que pareça, Marina, Aécio Neves e outros candidatos querem vender um bilhete premiado por algo como 10% do valor do prêmio.
É isso mesmo que você leu: há candidatos a presidente que querem fazer isso.
Veja, abaixo, as propostas de cada candidato para a exploração do pré-sal.
Dilma Rousseff (PT) – As propostas de governo de Dilma, apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), traçam um histórico do pré-sal em seu governo e destacam que, se eleita, “estarão gradativamente disponíveis para a Educação 75% dos royalties do petróleo e 50% dos excedentes em óleo do pré-sal. Somados ao orçamento da Educação, os recursos provenientes da comercialização do petróleo oriundo do pré-sal vão tornar realidade o Plano Nacional de Educação (PNE)”, traz o texto.
Marina Silva (PSB) – Oficialmente, aborda o pré-sal apenas no ponto em que afirma que vai “aplicar os repasses à educação de parcela dos royalties do petróleo das áreas já concedidas e das do pré-sal”.
Aécio Neves (PSDB) – Nas propostas preliminares de governo do candidato, apresentadas ao TSE, não há referência ao pré-sal. O candidato informou na última segunda-feira que seu plano oficial de governo será lançado na próxima semana. Contudo, em reiterados discursos o candidato já disse, com todas as letras, que quer implantar o “modelo vitorioso” de concessão para os campos do pré-sal.
Pastor Everaldo (PSC) – Em seu plano de governo propõe a “revisão do modelo de partilha” adotado para a exploração de petróleo no país, “respeitando os contratos em vigor”. Mais uma vez, porém, o candidato defende a privatização de tudo e mais um pouco.
Eduardo Jorge (PV) – Traz ampla discussão relativa ao pré-sal no plano de governo. De acordo com o texto, “o entusiasmo nacionalista gerado com a descoberta de campos de petróleo com grandes reservas na camada de pré-sal fez com que o governo federal deixasse de realizar novos leilões para exploração desde 2008, com a expectativa que a Petrobras o fizesse”. E complementa: “Esta política se revelou equivocada porque a capacidade de investimento da Petrobras não foi suficiente para arcar com os investimentos que são necessários”. O candidato adjetiva como “imensos” os problemas técnicos e econômicos do pré-sal. Tratando dos custos do petróleo produzido, pondera que “estimativas não oficiais dão conta de que eles seriam superiores a 50 dólares por barril produzido. Em comparação, petróleo ‘convencional’ custa menos de 10 dólares por barril”. Ele também destaca que os problemas ambientais da exploração de petróleo em grandes profundezas são na realidade “terra incógnita”. “A Petrobras ficou sozinha na exploração do Pré-Sal, endividando-se enormemente ao ponto de suas ações terem perdido cerca de 80% do seu valor nos últimos anos”, diz o texto. “Só em 2013 foi realizado um leilão para exploração no pré-Sal, com resultados pouco encorajadores e cujas consequências ainda é cedo demais para avaliar”, conclui.
Luciana Genro (PSOL) – Critica no plano de governo “a privatização de 60% do Campo de Libra, do pré-sal, a maior reserva de petróleo já descoberta no país”.
Rui Pimenta (PCO) – Trata do tema nas propostas de governo, quando critica o governo do PT. O documento aponta que o partido manteve “aspectos fundamentais da política de expropriação dos trabalhadores em favor dos grandes capitalistas” e cita como exemplo “a entrega do petróleo do pré-sal”.
Zé Maria (PSTU) – Candidato propõe a “anulação do leilão do pré-sal”. Segundo afirma no texto que consolida suas propostas de governo, “em outubro de 2013, o governo Dilma iniciou a privatização do pré-Sal, entregando o megacampo de Libra a preço de ‘banana’ às transnacionais do petróleo. A desnacionalização do petróleo brasileiro ocorre juntamente com o processo de privatização da Petrobras. O PSTU defende a anulação do leilão do pré-Sal e de todos os campos entregues às multinacionais, a volta do monopólio estatal e a Petrobras 100% estatal”.
Levy Fidelix (PRTB), José Maria Eymael (PSDC) e Mauro Iasi (PCB) não tratam do assunto em documento com propostas entregue ao TSE.
Uma curiosidade: os candidatos do PSOL, do PSTU e do PSOL consideraram “privatização” o regime de partilha adotado por Dilma. Daí se vê a distância que esses candidatos mantêm da realidade. Se já foi difícil aprovar o modelo de exploração em vigor, imagine você, leitor, se propostas como a deles fossem levadas adiante.
O regime de concessão não é privatização se o petróleo daquela área ainda não foi descoberto. Como os campos do pré-sal que irão a licitação nos próximos anos já chegarão a esse ponto com a certeza de que ali há petróleo, entregá-los em concessão seria crime de lesa-pátria. E é o que Marina propõe, segundo o coordenador de sua campanha.
POR EDUARDO GUIMARÃES
Blog do Banana