Economia: Bancos lucram enquanto famílias sofrem pagando boletos

Por Ricardo Banana
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ENQUANTO BANCOS TÊM LUCRO RECORDE, pessoas adoecem tentando pagar boletos. Em 2019, o lucro acumulado do Bradesco, Itaú Unibanco, Santander e Banco do Brasil foi de R$ 59,7 bilhões, o maior desde 2006. A euforia do capital financeiro contrasta com o sofrimento financeiro de grande parte da população. Segundo a CNC, 65,1% das famílias brasileiras estão endividadas — índice recorde desde 2013.

Desde os escritos do pensador francês Marcel Mauss (1872- 1950), sabemos que a dívida é uma dimensão estruturante das relações humanas. Quem doa fica na posição de poder e prestígio. Quem deve fica em desonra e posição de inferioridade. A vida coletiva em todas as sociedades é marcada por uma constante dança para que essas relações de crédito sejam balanceadas em uma economia humana de reciprocidade. Mas isso, segundo o best-seller “Dívida”, de David Graeber, é impossível alcançar em economias de mercado, que, segundo o autor, são estruturadas sobre a violência estatal e produtoras de endividamento e subordinação.

O ciclo do superendividamento e da inadimplência consiste em fazer um empréstimo e/ou usar todo o limite de um cartão. Aí se tenta um segundo ou terceiro crédito para pagar o impagável. Em um piscar de olhos, todos os limites estão estourados. Quando entra um dinheiro na conta, o banco toma para si.

O endividado, então, tem seu nome no Serasa e passa a ter sua vida definida por um escore, um número vermelho ao qual todas as instituições têm acesso e que aniquila a privacidade. Você é um número vermelho, então você precisa de crédito para sair dessa situação, mas as portas estão fechadas justamente porque você é um número vermelho. Não importa a sua dignidade, as suas razões, seus sentimentos, a nobreza de seus projetos: você é reduzido a um escore. Contava-me uma filha sobre a depressão da mãe, que perdeu um salão de beleza em uma enchente:

E a minha mãe está sem paz por isso. Ela odeia dívidas. Fica nervosa, agoniada, em saber que está devendo para alguém. Ela nunca saiu sem pagar de nenhum lugar, nunca deixou de pagar um produtinho da Avon, nunca deu um cheque sem fundo, nunca deu calote em ninguém, nunca atrasou uma fatura, nunca fez fiado em nenhum lugar.

A perturbação leva à desumanização de se viver em um ciclo tortuoso e infindável de recusas. Os endividados não conseguem dormir pensando como pagar as contas. “É a insônia do boleto”, brincou uma interlocutora. “Meu banho matinal consistia em ficar pensando em como solucionar”, comentou comigo outra pessoa.

Aos poucos, todos os gastos vão sendo cortados: a escola particular dos filhos é trocada pela pública. Vende-se o carro (mas o IPVA de muitos não está pago, o que prejudica a própria venda). Muda-se para apartamento mais barato até chegar a “morar de favor”: “Eu tento comer pouco porque moro de favor e tenho vergonha de ficar pedindo,emagreci 10kg em poucas semanas assim”, relatou-me uma estudante.

Fonte: The Intercept

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