No Dezembro Vermelho, mês dedicado à conscientização à combate à Aids, especialistas de hospitais universitários da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) apontam uma série de mitos que ainda persistem em relação à contaminação por HIV e suas consequências. Eles falam dos avanços conquistados pela ciência nos últimos anos, as novidades que estão chegando em termos de tratamento e demais cuidados, tanto na área de medicamentos mais simples e eficazes quanto na administração do cuidado ao paciente.
O infectologista Carlos Brites, do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (Hupes-UFBA) disse que, apesar desses avanços, que não são poucos, e da simplificação no tratamento, a Aids continua e continuará sendo um grande problema de saúde pública. “No começo não havia tratamento e todos morriam num curto período. Hoje, evoluímos para sistemas de tratamentos mais simples, potentes e seguros e estão surgindo terapias de ação prolongada, que ainda não estão disponíveis, mas em breve chegarão. Percorremos um longo caminho, mas ainda é preciso muito cuidado e proteção”, disse.
Segundo ele, o Hupes acompanhou todo este processo, com destaque nacional no cuidado ao paciente com HIV/Aids desde os primeiros momentos. “Fomos um dos primeiros ambulatórios especializados na Bahia e oferecemos testes para o público em geral. Porque tínhamos laboratório e pesquisa; o primeiro grande projeto nesta área foi da Universidade de Cornell e do Hupes. Então, tivemos um papel muito importante não só na atenção, mas na geração de conhecimento”, relatou o médico, que é professor de Infectologia na UFBA.
O médico infectologia do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC), Alexandre Boschiroli, concorda que pode haver uma falsa sensação de segurança provocada pelos tratamentos eficazes e menos tóxicos e por formas de prevenção eficientes, como a Profilaxia Pré-exposição (Prep), mas lembra que geralmente quem usa essas medicações passa por aconselhamentos e acaba se conscientizando sobre o risco de infecções sexualmente transmissíveis.
Novos métodos facilitam adesão ao tratamento
O médico Henrique Saburó Shiroma, infectologista do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Humap/UFMS), explicou que os avanços da ciência realmente facilitaram em muito a vida dos pacientes. “O tratamento preferencial para o HIV consiste em apenas dois comprimidos ao dia. Essas medicações são muito potentes para o controle do HIV/aids e, ao contrário dos remédios de antigamente (o famoso coquetel), a terapia antirretroviral (TARV) tem pouquíssimos efeitos colaterais e uma quantidade bem menor de comprimidos. Isso tudo facilita a adesão ao tratamento e o sucesso terapêutico pelo paciente”, disse.
No Humap, as linhas de cuidado abrangem o atendimento ambulatorial, Hospital-Dia e enfermaria de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP). No ambulatório, são atendidos pacientes em consulta de rotina e com bom controle da infecção; já o Hospital-Dia funciona para a realização de medicações endovenosas para a profilaxia (prevenção) de infecções oportunistas e a Enfermaria da DIP atende pacientes de alta complexidade, em sua grande maioria em fase de Aids.
Enfermeira explica a importância dos determinantes sociais
A enfermeira do Ambulatório de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, da Universidade Federal do Espírito Santo (Hucam-Ufes), Teresa Gomes, disse que estes avanços continuarão acontecendo, inclusive com previsão de adoção em breve de um novo medicamento, já aprovado, que reduz os efeitos colaterais do esquema atual e com apenas um comprimido, mas o quadro ainda é preocupante.
O Hucam tem uma equipe multiprofissional e uma farmácia específica para dispensar os medicamentos destinados aos cerca de 2 mil pacientes que estão em tratamento atualmente. Por ser um hospital de referência, atende pacientes de todo o Espírito Santo.
A enfermeira explicou que o HIV não tem “cara ou classe social”, mas uma discussão importante na cadeia de cuidado é a atenção ao paciente considerando os determinantes sociais, ou seja, são levados em conta as condições em que os pacientes vivem e trabalham, como renda e vulnerabilidade social na hora de definir as estratégias de ação e cuidado. “Com isso, você inclui neste cuidado questões como o acesso ao serviço de saúde, ao medicamento e até ao transporte para chegar a estes serviços, a alimentação, o nível de renda e outros fatores”, disse a profissional.
Ministério da Saúde estabelece metas
De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2017 e 2021, as doenças determinadas socialmente foram responsáveis pela morte de mais de 59 mil pessoas no Brasil. Estima-se que, atualmente, um milhão de pessoas vivam com HIV no Brasil, sendo que, destas, 900 mil conhecem seu diagnóstico. Nesse cenário, a meta é ter 95% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas; ter 95% dessas pessoas em tratamento; e, dessas em tratamento, ter 95% com carga viral controlada.
Neste ano, foi criado o Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente (Cieds), formado por nove ministérios, sob a coordenação do Ministério da Saúde, para elaborar estratégias de eliminação de doenças que acometem, de forma mais intensa, as populações de maior vulnerabilidade social.
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Mito ou verdade?
Carlos Brites, gerente de Ensino e Pesquisa do Hupes/UFBA-Ebserh e professor de Infectologia da FMB-UFBA responde:
Se um dos parceiros usa Profilaxia Pré-exposição (Prep), não há necessidade de proteção durante o ato sexual
MITO – Usar Prep não prescinde os cuidados. Se um dos parceiros usa Prep, pode estar usando de modo irregular ou pode estar desprotegido ou pode ter outra infecção. Então, se pode abdicar do preservativo, por exemplo. A Prep protege quem está tomando e desde que seja de modo regular e isso não quer dizer que vai prevenir de outras infecções e outros agentes, com sífilis e clamídia. Prep é fundamental para prevenir contra o HIV mas outras possibilidades continuam existindo.
A contaminação por HIV não é mais um grande problema, pois os tratamentos hoje permitem ter uma vida normal.
MITO – Continua sendo um problema mesmo com tratamentos mais eficientes. Não existe cura, então o tratamento é para a vida inteira, o que cria um problema para quem é infectado. E tem de ser levado em conta também que alguns tratamentos podem não ser adequados para determinada pessoa, pode ter efeitos colaterais ou incompatibilidade. A pessoa pode ter uma qualidade de vida muito melhor do que tínhamos antes, mas querer uma série de cuidados que podem ainda afetar sua qualidade de vida. É um mito achar que não é um problema.
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Mito ou verdade?
Alexandre Boschiroli, infectologista do HU-UFSC/Ebserh responde:
Um teste pode dar falso negativo
VERDADE – Se a pessoa teve exposição sexual desprotegida recente não é confiável o resultado. Deve ser repetido com um e três meses após a exposição. Em princípio, qualquer teste pode dar falso negativo, mas é raro um teste se seja feito em laboratório, com a técnica adequada, validado, dê falso negativo, é uma situação rara. Geralmente, quando acontece é mais relacionado ao teste, embora menos comum que o falso positivo, mas com testes adicionais a gente tira a dúvida. Quando se faz um teste de HIV e dá negativo, já é descartada a doença, exceto se estiver na janela imunológica.
Toda pessoa com HIV tem obrigação de contar para os próximos, mesmo que não sejam parceiros sexuais
MITO – Toda pessoa com HIV tem direito a ter seu diagnóstico preservado, especialmente para a pessoa com quem ela não tem relação sexual. Inclusive do ponto de vista trabalhista, é proibida a coleta de exame para HIV em testes admissionais ou periódicos. A pessoa indetectável significa que não transmite, isso a OMS já reconhece – indetectável é sinônimo de não transmissão, mas ainda convém que o parceiro sexual seja avisado da infecção pelo diagnóstico com a HIV, porque a pessoa que está exposta também tem o direito de se proteger e fazer a opção dela.
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Mito ou verdade?
Henrique Saburó Shiroma – Infectologista no Humap-UFMS/Ebserh responde:
Relação sexual oral não transmite HIV, pois a saliva mata o vírus
MITO – No sexo oral o risco de infecção é baixo, mas existe e, apesar disso, não podemos esquecer das outras infecções sexualmente transmissíveis, como: sífilis, clamídia, gonorreia e HPV.
Beijo na boca transmite HIV
MITO – O risco de transmissão pelo HIV só ocorre na presença de lesões com sangue e outras portas de entrada entre as pessoas.
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Mito ou verdade?
Teresa Gomes, enfermeira do Hucam-Ufes/Ebserh responde:
Pessoas com HIV vão ter filhos com HIV
MITO – É importante falar que a pessoa que está em tratamento regular não transmite o HIV. Se a pessoa fizer o pré-natal de forma adequada e a criança tiver o acompanhamento adequado, isso vai diminuir muito a chance de contaminação.
É possível contrair HIV por meio de brinquedos sexuais
VERDADE – Isso é importante, especialmente no caso de casais mulheres, pois muitas vezes há secreções que entram em contato com a mucosa da pessoa. É difícil, mas é possível sim.
Com informações da Coordenadoria de Comunicação Social