“Estupro é algo terrível, e o projeto contra aborto é uma aberração”, diz obstetra Olímpio Moraes

Por toda a trajetória na medicina, o obstetra não poderia ter posição diferente: defende o aborto legal, tema que volta ao centro do debate nacional

Por Ricardo Banana
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Referência na luta pela democratização do aborto legal no Brasil, o obstetra recifense Olímpio Moraes, 62 anos, é a favor da saúde pública e dos direitos das mulheres. Por toda a trajetória humana percorrida na medicina, que contou com uma co-orientação de uma socióloga que o deu uma visão holística nos tempos de mestrado, o médico não poderia ter uma posição diferente: ele defende o aborto legal, um tema que volta ao centro do debate nacional com o Projeto de Lei 1904, em discussão no Congresso Nacional.

proposta equipara a interrupção da gravidez, após 22 semanas de gestação, ao crime de homicídio. Para definir o PL, Olímpio só precisa de uma palavra: “Aberração”.

O tema, que tem gerado reações da população, leva Olímpio a refletir e a fazer críticas a vários setores da sociedade, inclusive à categoria médica. Nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite, titular desta coluna Saúde e Bem-Estar, o obstetra, que já foi excomungado da Igreja Católica, após realizar um aborto em uma menina de 9 anos, acentua: “O CFM (Conselho Federal de Medicina) deixou de ser uma entidade de proteção à sociedade”, ao se referir ao fato de a autarquia vetar o aborto e ressaltar que há limites para autonomia da mulher.

JC – Por toda a sua trajetória na medicina e por milhares de vida que o senhor já salvou, qual o seu sentimento ao ver esse projeto? 

OLÍMPIO MORAES – Não tem como ver diferente: é uma aberração. Falta vontade política de considerar que salvar a vida das mulheres é importante. Matam-se as mulheres por questões ideológicas. Matar mulher faz parte do cotidiano de objetivos políticos. É sempre para condenar mulheres. Esse problema de aborto vem de uma lei de 1940, foi Getúlio Vargas que fez, um homem (naquela época, o presidente assinou decreto-lei com o Código Penal em vigor até hoje. O regramento considera o aborto legal sempre que houver risco para vida da gestante ou em todos os casos de gravidez resultante de estupro). Ele fez porque existia a teoria da eugenia e, assim, via como perigoso para a sociedade passar os genes da maldade que o estuprador carregava. Depois, o motivo principal era pelo fato de, naquela época, a mulher ser proprietária do homem – e era vergonhoso, para eles, terem, na sociedade, um filho ilegítimo, um filho de uma menina que engravidou sem a permissão do seu dono. Era vergonhoso para a família tradicional cristã brasileira. Por isso, ninguém ficou contra esses políticos.

OLÍMPIO MORAES – Na Constituição de 1988, quando o Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído, tinha-se o abortamento como um direito na lei. Nesse ponto, algo se destacou: a mulher que decide (passar ou não pelo aborto), pois a mulher é dona do corpo. Foi aí que as Igrejas ficaram revoltadas. Não é sobre o embrião que está se discutindo. É sobre o corpo da mulher, é autonomia, é a reprodução, mas é o poder que a mulher tem sobre a reprodução, que foge do homem. Isso incomoda as pessoas da Igreja, incomoda parte da sociedade. Por isso que eles querem matar. Veja só: inaugurado em 1989, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, foi criado o primeiro serviço do aborto legal no Hospital Jabaquara (Zona Sul de São Paulo). Foi fechado em 2107, na gestão de João Dória. Digo sempre: sabemos como evitar a morte materna, está tudo escrito. Falta vontade política de considerar que salvar a vida das mulheres (grávidas por estupro ou por outras causas) é importante.

 

Com informações: JC Online 

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