Mais consultas, relação mais próxima entre médicos e pacientes e economia de dinheiro público ao diminuir o número de internações: essas são algumas das principais conclusões apontadas pelos mais de 200 estudos que se dedicaram a entender e mapear o programa Mais Médicos desde a sua criação, em 2013.
Um dos trabalhos mais recentes, de agosto deste ano, destaca também o aspecto positivo do Mais Médicos sob a ótica fiscal – isso porque a ampliação do número de médicos no atendimento básico de saúde evitou 521 mil internações em 2015, gerando uma economia em internações hospitalares equivalente a um terço do orçamento do programa naquele ano.
Os economistas Débora Mazetto, que desenvolveu o estudo durante o mestrado na Fundação Getulio Vargas (FGV), e Enlinson Mattos, professor e orientador dela, compararam dados de 2.940 municípios antes e depois do Mais Médicos. Desse total, 2.210 receberam profissionais do Mais Médicos e 730, não.
Segundo o estudo, houve uma redução consistente de 4,6% nas internações em geral e 5,9% nas relacionadas a doenças infecto-parasitárias em 2015. Naquele ano, as 11,3 milhões de internações custaram R$ 18,2 bilhões (R$ 1.612, em média, cada uma), e a economia de quase R$ 840 milhões corresponde a cerca de 33% dos R$ 2,6 bilhões destinados ao Mais Médicos no período – em 2017, foram gastos R$ 3 bilhões.
“Houve uma melhora na qualidade do atendimento à população. Imagine uma comunidade que não tinha médicos? Com o aumento das consultas em áreas desassistidas, foi possível identificar e tratar doenças com agilidade, evitando internações que poderiam ser de fato evitáveis”, afirmou Mazetto, que hoje trabalha na Tendências Consultoria Integrada.
Eles não identificaram, porém, nenhum impacto significativo em indicadores de mortalidade infantil ou da população em geral, por exemplo. Segundo Mazetto, não é possível afirmar ainda se o programa não tem capacidade de um impacto mais duradouro ou se não teve tempo de surtir efeito. O número de internações já vinha em queda antes do Mais Médicos, ainda que em ritmo mais moderado (7,9% no intervalo entre 2009 e 2012).
O estudo acima é um dentre os quase 200 trabalhos acadêmicos produzidos sobre o programa desde a sua criação pelo governo Dilma Rousseff (PT) em 2013, na esteira das manifestações de rua em junho daquele ano. Órgãos públicos, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU), também avaliaram o programa.
Ao menos 65 instituições, dentre elas 54 universidades, esmiuçaram a tentativa do governo federal de resolver um problema comum a diversos países: como atrair e fixar médicos em regiões remotas, pobres, violentas, sem infraestrutura adequada ao atendimento da população?
As análises atravessam os três pilares do programa. Os profissionais atuaram nos locais que mais precisavam e fizeram diferença, ou se priorizou quantidade em vez de qualidade? O governo federal criou vagas em universidades e residências médicas fora dos grandes centros e voltadas à atenção básica para não precisar recorrer a profissionais estrangeiros? Houve investimento em infraestrutura, equipamentos e medicamentos no sistema público de saúde, considerados precários na maior parte do país?
Mais atendimentos
Em resumo, a maioria dos trabalhos e relatórios identificou avanços sociais em diversas dessas áreas, como o aumento do número de consultas e exames, a redução das chamadas internações hospitalares evitáveis de parte da população, a saída de quase 500 cidades do estado de escassez médica, um atendimento mais humanizado a pacientes e a ampliação das vagas para estudantes e médicos em regiões sem instituições de ensino de Medicina.
Um grupo de oito pesquisadores do Ceará publicou em junho deste ano uma revisão crítica de 35 trabalhos dentre 1.482 textos encontrados sobre o tema em sites acadêmicos. A partir da leitura da amostra, eles afirmam que o Mais Médicos “contribuiu de forma significativa para a saúde brasileira, uma vez que reduziu a escassez de médicos na atenção primária à saúde, impulsionou a expansão do número de vagas de graduação e residência em Medicina e foi responsável pela mobilização de recursos financeiros para melhorar a estrutura das unidades básicas de saúde”.
Os estudiosos identificaram falhas em todas as etapas envolvidas no programa, resultando em recomendações de melhorias. Os problemas identificados em geral se assemelham àqueles enfrentados por profissionais que atuam no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
A exemplo, falta de equipamentos e medicamentos, falhas na formação e escolha de gestores, desvio de recursos, descumprimento de carga horária, excesso de demanda, falta de transparência, soluções temporárias que acabam permanentes, além de problemas nos contratos de trabalho dos médicos de Cuba.
Atualmente, o programa tem 18.240 vagas, preenchidas por 8.332 cubanos, 4.525 brasileiros formados no Brasil, outros 2.824 brasileiros que estudaram no exterior e 451 médicos intercambistas de outras nacionalidades. Cerca de 2 mil postos não foram preenchidos. (BBC News Brasil em São Paulo-Fotos: Agência Brasil)