Depois de meio século apostando ser a melhor resposta para as tantas incógnitas do câncer de mama, a mamografia já não é unanimidade entre especialistas. Do ponto de vista da prevenção, o exame pode representar para o público até 50 anos, considerado saudável, um risco de saúde, trazendo mais malefícios que benefícios. O alerta vem do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e representa uma polêmica, deixando médicos apavorados e as mulheres ainda mais perdidas, já que não é de hoje que se defende que o método é a melhor maneira de se precaver contra a doença. “Apostamos em uma estratégia que não tem funcionado. Hoje, a mortalidade está maior a cada ano”, diz o oncologista e sanitarista do Inca Rogério Correa.
A doença – que somente este ano deve registrar 52 mil novos casos, segundo estimativa do Inca, média que vem se repetindo anualmente no Brasil – é considerada uma das principais causas de morte entre as mulheres. Em 2010, 12.852 pessoas perderam a vida, sendo 12.705 do sexo feminino. Os números, de acordo com Correa, demonstram que os caminhos para a prevenção do mal podem estar equivocados. Ele explica que existem dois tipos de mamografia: a para diagnosticar o mal, aplicada em mulheres com sintomas da doença ou com histórico familiar da enfermidade; e o exame para rastrear algum sinal do tumor, usada na prevenção. “Na década de 1980, pesquisadores fizeram estudos com a população de mulheres entre 40 e 49 anos; de 50 a 59 anos; e de 60 a 69 anos, que se submetiam à mamografia para se precaver da doença e, como tal, não tinham nenhum sintoma. A intenção foi estudar a redução de mortalidade nesses grupos e descobriu-se que, no primeiro, a redução foi muito pequena. No segundo, um pouco maior e no terceiro foi de 30%”, destaca.
Nesse sentido, o médico do Inca diz que antes de fazer uma paciente passar pelo mamógrafo é preciso levar em consideração benefícios e malefícios que o aparelho pode apresentar. “Há muitos resultados falso-positivos, que geram outras investigações e podem acabar em biópsia ou até na retirada da mama, sem necessidade. As mulheres que têm o resultado alterado ao fazer a mamografia representam 10%. Desse universo, só 10% devem realmente ter o tumor”, alerta, acrescentando que para cada grupo de mil mulheres que fazem o teste, 200 terão resultados falso-positivos. “A maioria das brasileiras deve estar fazendo tratamentos desnecessários”, ressalta.
Outro malefício, de acordo com Rogério Correa, é a exposição à radiação. “Essa é indutora do câncer. Toda vez que irradio a mama, dou uma dose pequena disso nela. Quanto mais mamografia se faz ao longo da vida, mais riscos se corre de se ter um câncer pela radiação.”
Por último, Rogério aponta que a doença é heterogênea, tendo vários tipos. “Mas cerca de 90% são do tipo carcinoma ductal, que começa nos canais (ductos) que conduzem o leito da mama para o mamilo. Eles podem ter um comportamento altamente agressivo, que em pouco tempo vai matar o portador. Ou podem ter uma postura indolente e demorar mais um tempo para se desenvolver. Ou pode ser que comece a se formar e depois regride, sem ir adiante. Pela mamografia, o médico não vai saber identificar como será o comportamento dele”, afirma, dizendo que os dois potencialmente fatais atingem um percentual muito pequeno. “Por isso, dizemos que mais da metade das mulheres está com excesso de tratamento sem necessidade. Mas como esse tumor não é identificado, hoje trata-se todo mundo que o apresenta. E muitas mulheres morrem por causa da cirurgia, por sequelas da quimioterapia.”
Viés capitalista
A chance de se ter um câncer de mama aumenta com a idade, segundo o especialista. Para cada um dos grupos há uma recomendação: para a população a partir dos 40 anos, os benefícios do aparelho são pequenos em relação aos malefícios. Mas, a partir dos 50 anos, há mais ganhos. “Mais de 30 países desenvolvidos fazem o rastreamento do tumor entre os 50 e os 69 anos, a cada dois anos. Há países que fazem a cada três anos”, compara Rogério, dizendo que o exame em mulheres saudáveis cada vez mais cedo é oportunismo. “Os profissionais de saúde recebem recomendações de diversas entidades, sendo que cada uma pensa a problemática de uma forma diferente. Para um radiologista, quanto mais mamografia, mais dinheiro. É um um viés corporativista”, acusa, lembrando que, antes de tudo, deve-se fazer um bom exame clínico das mamas.
A posição do oncologista Rogério Correa, do Instituto Nacional do Câncer, é questionada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, regional Minas Gerais, João Henrique Penna Reis. Defensor do exame como a melhor forma de prevenção da doença, João aponta que muitas pesquisas, tanto europeias quanto norte-americanas, demonstram claramente que a chance de morrer pelo mal em quem faz mamografia rotineiramente é bem menor. “A partir dessas conclusões é que o exame começou a ser aplicado como política de saúde pública”, diz, discordando de Rogério em relação à radiação. “É uma quantidade muito baixa se comparada ao número de casos que a máquina pode ajudar. O Inca é um braço do Ministério da Saúde. A visão do gestor é do cobertor curto. O mamógrafo não é barato e o gestor pensa: ‘não compensa’”, diz.
Para João, a discussão é econômica. “Dizer que há grande número de resultados falso-positivos é um absurdo. Só se faz a operação de retirada da mama em que está com o diagnóstico positivo comprovado. Caso contrário, o médico pode ser processado”, comenta. João diz que o consenso mundial é de que o exame deve ser feito depois dos 40 anos “Ao se detectar mais cedo um câncer, mas chance a pessoa tem de cura. Quando se detecta cedo, o tratamento é mais barato , pode-se evitar a quimioterapia e outros. Já no estado avançado, o custo é alto. Antigamente, nos EUA, os pedidos de mamografia eram antes dos 35 anos. E a razão era para se ter um exame como base para depois dos 40 anos. Mas percebeu-se que não havia um porquê disso. Hoje, é depois dos 40 anos. Quando se pede em mulheres mais jovens é porque são de alto risco para a doença, com histórico do mal em parentes de primeiro grau, por exemplo.”
Sobre a visão capitalista de que Rogério acusa a medicina, João Penna Reis diz que, se fosse assim, seria mais fácil dizer a todas as mulheres que não fizessem mais o exame. “Com isso, haveria mais casos avançados e, com isso, maior custo”, conclui.
Sem consenso
Para a mastologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Ângela Trinconi, o assunto ainda não tem consenso. “É uma polêmica sem fim. É óbvio que quanto mais cedo se usa o aparelho para rastrear algo nas mamas, mais chances há de se encontrarem alterações que nem sempre serão câncer. O que seria um ônus para o sistema”, comenta ela, dizendo que, por outro lado, há diagnósticos de outras coisas importantes para a paciente. “A mamografia melhorou muito de qualidade. Por isso vale a experiência de um médico. Como aparecem um maior número de pequenas lesões, com a qualidade da imagem um doutor menos experiente vai partir, muitas vezes sem necessidade, para biópsias ou cirurgias. De fato, há muitos exames falso-positivos, não temos aparelhos adequados nem profisssionais experientes em número suficiente para manejá-los, o que gera muitos laudos incorretos. Isso é uma tristeza”, lamenta. Mas, ainda sim, a mastologista é a favor dos mamógrafos com uso e pedidos de exames responsáveis.
Fonte: Diario de Pernambuco
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