Quando o cooperativismo e a força de vontade juntam quatro mulheres, o resultado pode vir na forma de empoderamento ou responder com o nome de superação
O que era para ser apenas uma tarde movimentada de domingo, com uma palestra motivacional e distribuição de brindes em alusão ao aniversário de 16 anos da Lei Maria da Penha, se transformou no ponto de partida para uma surpreendente mudança na vida da estudante, Rita Hannah, 19 anos e com problemas de dependência química e alcoolismo, ela e mais 130 outras mulheres internas do Crelps – Centro de Recuperação Evangélica Livres para Sonhar, no Jardim Amazonas, em Petrolina – PE, viveram naquele domingo, 7 de agosto de 2022, uma experiência no mínimo revolucionária e inspiradora.
Sentada em uma das primeiras filas do pequeno auditório improvisado por conta da Covid -19, que ainda persistia com sua lufada de internamentos e morte, Rita se emocionou, logo ao primeiro relato de vida da palestrante Nanny (Nanilza Santos), uma paratleta que teve seus dois braços amputados aos 10 anos de idade, após sofrer queimaduras de terceiro grau por um choque elétrico, reinventou-se e já conquistou vários títulos paraolímpicos.
Ressignificação
Após uma narrativa bastante clara e firme, onde Nanny, no sétimo mês da sua primeira gravidez, contou uma história de superação e transformação através da prática esportiva, Rita resolveu, ali mesmo, buscar forças para deixar o vício e ressignificar sua vida. Certa das dificuldades e desconhecendo o medo e o tamanho dos obstáculos diários, ela começou estabelecendo uma série de mudanças de hábitos. “A cada desafio, procurei responder com atitudes positivas e repetia para mim mesma as palavras finais da paratleta inspiradora: ‘Se eu posso, então você pode! ’, frisou.
Três meses depois da construção de um projeto terapêutico que priorizou a escuta ativa da paciente e de seus familiares e a reabilitação, a partir do despertar mental, físico e espiritual, Rita deu adeus a uma rotina de tristeza, angústia e aflição, após receber da equipe multidisciplinar do Centro, a exemplo de psicólogos, psiquiatras e psicanalistas, a tão sonhada alta médica do seu tratamento.
Emprego
Mas, passadas as intempéries da internação, um outro desafio se desenhava no horizonte da ex-paciente que agora desejava apenas voltar à normalidade de uma vida social produtiva incluindo o poder do autoamor, autocuidado, autoconfiança e da autoestima. “Precisava imediatamente arranjar uma colocação no mercado de trabalho neste país onde há bastante preconceito com ex-dependentes químicos”, pontuou.
E foi em meio a esse turbilhão de incertezas que Rita recebeu um convite inusitado: ser uma das monitoras do Crelps e ajudar a transformar as vidas das mulheres internas com seu exemplo de luta e superação. “Ela vem trabalhando com muita garra, resiliência e determinação desde seu primeiro dia e tem demonstrado responsabilidade, profissionalismo e compromisso em tudo que faz”, segundo assinalou a diretora da entidade, Neide Alves.
Hoje, após quatro meses na função, Rita lembra com carinho o aprendizado que teve naquela tarde de domingo e já fala com tranquilidade das limitações e adversidades da vida quando se tem o apoio, a comunhão e a solidariedade de outras pessoas. “Agradeço de coração ao Crelps e ao Comitê Mulher Sicredi Vale do São Francisco, que nos proporcionaram esta bonita lição de ir para a frente sem deixar ninguém para trás”, evidenciou.
Mulheres cooperativistas
De acordo com a coordenadora do Comitê, Gislane Rocha, ter sido um dos instrumentos para as transformações efetivadas no Crelps, foi uma das iniciativas mais felizes desenvolvidas pelo grupo de mulheres cooperativistas formado em Petrolina, em 08 de março de 2022, no Dia Internacional da Mulher. Um propósito que faz parte do sétimo princípio do cooperativismo, e preza pelo investimento em projetos economicamente viáveis, ambientalmente corretos e socialmente justos para toda sociedade
“Nosso papel principal é a promoção de ações sociais em diversos setores, com a difusão de iniciativas solidárias, objetivando a promoção da equidade de gênero, o empoderamento e o aumento da presença das mulheres em cargos de liderança no cooperativismo de crédito nos municípios cobertos pelo Sicredi Vale do São Francisco: (Petrolina-PE e os municípios baianos de Juazeiro, Senhor do Bonfim e Jacobina)”, ressaltou.
Ainda segundo a coordenadora, a iniciativa é Inspirada no Comitê Mulher Sicredi, que foi criado em 2016 em Palotina, no Paraná, e na agenda 2030 do Pacto Global da ONU e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, atuando ativamente nas áreas de Educação de Qualidade (ODS 4), Igualdade de Gênero (ODS 5) e Trabalho Decente e Crescimento Econômico (ODS 8).
E voltando ao encontro daquele domingo, onde ninguém saiu ileso, as palavras germinaram e ecoaram também na alma da palestrante Nanny, que na ocasião carregava o Luca no ventre. Hoje, em meio às comemorações do Dia Internacional da Mulher (8 de março), ela brinca feliz na companhia de um bonito e saudável garoto com seis meses de pura alegria e travessuras. “O afeto deixou marcas e nossos filhos não vão permitir que ninguém apague”, concluiu a paratleta de alto rendimento.