Advogado defendeu a ‘democratiza
ção’ do processo que nomeia os ministros do STF e do Procurador-Geral.
Opera Mundi – No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (02/02), o jornalista Breno Altman entrevistou o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas e fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Segundo Carvalho, o Brasil vive o fenômeno do “lavajatismo”, isto é, do ativismo judicial, que se torna preocupante por atentar contra a democracia. Por isso, ele disse não ter “a menor dúvida de que um novo governo de esquerda deva realizar uma reforma ampla do sistema de justiça”.
Para o advogado, essa reforma deve começar reexaminando o Conselho de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, que são os órgãos que fiscalizam e controlam as principais entidades jurídicas do país, “mas que hoje estão presas a visões absolutamente corporativistas”.
“Acho que podemos oxigenar o Conselho do MP. Acho fundamental que o Congresso participe da escolha dos membros, talvez nomeando mais corregedores. Também poderíamos aumentar o número de membros indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que hoje são dois”, propôs.
Supremo Tribunal Federal
Com relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Carvalho expressou preocupação pelo fato das nomeações dos ministros serem de cunho político: “Acho que a prerrogativa não deve deixar de ser do presidente, ele tem o direito de escolher, mas a gente precisa estabelecer critérios mais objetivos para justificar essa escolha”.
O advogado reforçou que os critérios atuais são muito abstratos: os nomeados devem ter uma reputação ilibada e comprovar notório saber jurídico, “o que diz muito, mas não diz nada, precisamos de outros atributos”.
Ele também sugeriu que a lista de indicados a serem considerados seja ampliada, com um nome proposto pelo Congresso, por exemplo, “já que é a voz do povo”, e outro pela OAB, que poderia realizar um processo de consulta pública, “ouvindo mais a sociedade civil”.
O fundador do ABJD, porém, afirmou que a decisão final deve ser do presidente. Nesse sentido, disse não acreditar que Lula e Dilma erraram em suas indicações, apontando que o erro, talvez, “tenha sido dos magistrados, que revelaram ter desvios de caráter”, mas concordou que possivelmente os mandatários tenham sido ingênuos e não souberam jogar o jogo político.
“Pelo menos agora temos uma experiência acumulada que será utilizada para novas indicações”, relativizou.
Carvalho ainda argumentou que a ampliação da lista deve vir acompanhada de um mandato fixo, ao contrário do atual que permanece até a aposentadoria, aos 75 anos.
“O período precisa ser pensado para garantir a independência que o magistrado precisa para exercer a função, que é contra majoritária. Na Alemanha, os mandatos são de 12 anos, quem sabe podemos considerar algo assim, adaptado à realidade brasileira”, refletiu.
Por fim, ele falou sobre a importância de serem estudados mecanismos de impeachment para os ministros do STF, criticando o grau de intocabilidade da instituição: “É mais fácil afastar um presidente da República que um ministro do STF”.
Procurador-Geral da República
No caso da Procuradoria-Geral da República, Carvalho não acredita ser de todo negativa a lista tríplice que estabeleceram Lula e Dilma para a nomeação. Ele voltou a defender a criação de uma lista mais ampla para dar opções ao presidente. A decisão final, entretanto, deve ser do mandatário.
“Ele teria que se ater a essa lista. Para escolher alguém de fora, precisaríamos definir pré-requisitos que permitissem isso e deveria ser exigida uma justificativa para a escolha do nome que estivesse fora”, explicou.
Assim, o advogado opinou que seria possível blindar a instituição de “ser capturada por interesses políticos e eleitorais”, como ocorre atualmente, em que o procurador-Geral “tem um compromisso tão grande com Bolsonaro que o impede de exercer o papel que abraçou, casos estão sendo arquivados”.
Desigualdades no sistema
Mais do que reformas em cada uma dessas instâncias, Carvalho disse que sua verdadeira preocupação é o acesso a cada uma delas. Atualmente existe uma profunda desigualdade de classe, raça e gênero no sistema de Justiça, que estabelece uma tendência elitista e conservadora.
“O PT conseguiu melhorar um pouco essa realidade com políticas de inclusão e acesso ao Ensino Superior, mas existe uma distância grande entre se formar e entrar numa carreira do sistema de Justiça. Precisamos mudar o acesso, investir em políticas afirmativas e estabelecer cotas”, defendeu.
Segundo o advogado, as carreiras de Direito estão voltadas para a elite, “que reproduz sua visão de mundo”. Para ele, os concursos deveriam exigir uma formação mais sólida e mais experiência: “Como alguém com 30 anos vira juiz e aí pode decidir o destino de uma pessoa? Que vivência ele tem?”.
“Sem falar que tem gente que tem uma visão distorcida do mundo não por maldade, mas por ignorância. Uma oportunidade de corrigir isso seria, nos concursos, exigir um certo tipo de literatura que não seja propriamente técnico, como um livro da Djamila Ribeiro e de tantos outros homens e mulheres que falam sobre machismo, sobre racismo estrutural, mudando o conteúdo dos concursos”, discorreu.
(Brasil 247).