Mais Mais rico candidato ao governo do estado é símbolo do enriquecimento pela política, eleição após eleição
A política parece garantir mais do que poder e influência a quem se lança na vida pública. O enriquecimento é um fenômeno entre aqueles que são eleitos para representar a população, ainda mais se nascidos em berço de ouro.
Mais rico candidato ao governo do estado, sem nunca ter exercido nenhuma função fora da vida pública, ACM Neto (União Brasil) é símbolo do avanço patrimonial, eleição após eleição.
Levantamento feito por A TARDE, com base na compilação e análise de dados declarados por ele ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que o patrimônio do ex-prefeito de Salvador cresceu cerca de 5.000% nos últimos 15 anos, tendo atuado apenas como político.
O site do TSE disponibiliza informações sobre candidaturas e contas eleitorais desde 2004. Quando disputou a eleição pela segunda vez, em 2006, e foi reeleito deputado federal, Neto declarou exatamente R$ 820.561,15 ao TSE, entre um apartamento de R$ 454 mil e três aplicações bancárias, de pouco mais de R$ 360 mil ao todo.
Dois anos depois, quando foi derrotado na campanha para prefeito de Salvador, o patrimônio declarado havia dobrado, chegando a R$ 1,6 milhão. Desta vez, ele informou ser proprietário de outro apartamento, no valor de R$ 900 mil, além de aplicações em banco, de cerca de R$ 700 mil, e um automóvel, de R$ 36 mil.
Nesta época, ACM Neto não constava como acionista em nenhuma empresa e o salário como deputado federal era de R$ 16.512,09 (sem contar os descontos tributário e previdenciário). Ou seja, em dois anos, a renda bruta dele como parlamentar somou R$ 396 mil – valor muito abaixo do que cresceu seu patrimônio no período.
Em 2010, quando foi reeleito deputado federal pela terceira vez seguida, os bens somaram R$ 2.541.751,04. O apartamento é o mesmo declarado anteriormente, mas agora há dois automóveis, um deles de R$ 120 mil. Somente os investimentos bancários e planos de previdência privada contabilizaram um total de R$ 1,1 milhão. Pela primeira vez, o candidato informou cotas em uma empresa, a Anre Participações e Investimentos, aberta em sociedade com a irmã, Renata Magalhães, em setembro de 2008. A parte na empresa somava, àquela altura, R$ 400 mil.
Dois anos depois, em 2012, quando voltou a disputar a prefeitura da capital, o político recebia R$ 26.723,13 de salário como deputado, mas seu patrimônio foi multiplicado por cinco: R$ 13,3 milhões. Pela primeira vez, ele declarou possuir cotas da TV Bahia, no valor de R$ 9,3 milhões. Chamam atenção os investimentos bancários, que já passavam de R$ 2,2 milhões, e até um empréstimo feito à mãe, Maria do Rosário, de R$ 240 mil.
Nos quatro anos à frente da prefeitura, com salário semelhante ao que recebia como deputado, Neto fez dobrar mais uma vez seu patrimônio. Quando foi reeleito prefeito da capital baiana, em 2016, ACM Neto informou possuir R$ 27,8 milhões. Na declaração, aparece um novo apartamento, este no valor de R$ 6,8 milhões, além de uma casa e um terreno em Praia do Forte. Há, ainda, cotas em outras empresas da família, como a TV Salvador e a TV Santa Cruz. Os investimentos bancários, a esta altura, somam mais de R$ 8,3 milhões.
Entre 2016 e 2022, a fortuna cresceu cerca de R$ 14 milhões. Não por acaso, este ano, Neto se apresenta disparado como o candidato ao governo da Bahia dono de maior patrimônio, com R$ 41,7 milhões. Na declaração, consta um apartamento no Corredor da Vitória, um dos locais mais nobres da cidade, avaliado em R$ 7,8 milhões, além das cotas acionárias nas empresas da família e dezenas de bens.
Para se ter ideia do abismo entre os postulantes ao Palácio de Ondina, o patrimônio somado de todos os outros candidatos não chega a R$ 7 milhões.
Identificar origem de recursos ainda é desafio
Especialistas apontam ser praticamente impossível identificar a origem do aumento patrimonial de políticos, inclusive porque a legislação eleitoral não obriga os candidatos no ato da declaração a informar de onde vem o incremento em dinheiro ou bens.
Para a professora de direito tributário Karla Borges, somente uma fiscalização mais aprofundada da Receita Federal poderá esclarecer a origem do patrimônio de políticos. Apesar disso, ela alerta que a própria Justiça Eleitoral poderia averiguar, caso suspeitasse do crescimento do patrimônio de algum candidato.
“Se o TSE ou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) nos estados percebe um volume de evolução patrimonial grande de uma eleição para outra, cabe avaliar se não pode pedir a busca da origem. Se o candidato que está desempenhando uma função em determinado local tem aquele patrimônio compatível com os proventos. Tem que o próprio Tribunal questionar se há irregularidade”, explica Karla.
O fato de muitos políticos terem negócios legais também prejudica a diferenciação do enriquecimento lícito do ilícito. O poder de se beneficiar de forma indireta é grande. De acordo com a professora, parlamentares jovens, mas com crescimento patrimonial rápido e volumoso, deveriam acender a chama da dúvida nas autoridades.
“Como um homem público, relativamente jovem, que viveu da vida pública o tempo inteiro pode ter declaração milionária? Porque o salário por melhor que seja, de deputados e senadores, por exemplo, não dá [para acumular fortuna]. Ele tem uma mulher rica, herdou algo ou ganhou na loteria?”, questiona.
No esforço de manter a população bem informada, o Grupo A TARDE seguirá produzindo reportagens qualificadas sobre o processo eleitoral e encontra-se à disposição para que os candidatos prestem qualquer devido esclarecimento.
(Portal A TARDE).