O encontro de Lula com a bancada de senadores foi um evento amigo e caloroso, que permitiu a celebração de uma vitória disputada até o último voto. Lula é o líder histórico e patrono da carreira de todos eles — inclusive nas vitórias de 2014 — o que autoriza diálogos com uma franqueza rara no universo político brasileiro.
Essa situação permitiu uma conversa séria, que começou com o humilhante voto de José Sarney em Aécio, passou pelo debate sobre a escolha do novo Ministro da Fazenda e deixou claro que o governo e o PT entram no ano de 2015 com uma nova questão para resolver — sua identidade política. “O PT quer um governo para chamar de meu”, sintetizou um dos senadores presentes.
A cena do voto de José Sarney em Aécio Neves, flagrado por uma câmara de TV no segundo turno, foi particularmente dolorosa por uma razão evidente. Para demonstrar lealdade em relação ao ex-presidente, o PT jamais fortaleceu o novo governador Flávio Dino (PC do B-MA), aliado no plano federal. Chegou a enfrentar uma avalanche de protestos de militantes e aliados que faziam uma oposição histórica a Sarney e ao imenso grupo de interesses que manda no Estado desde 1964, pelo menos. Em troca, recordou-se no encontro com Lula, o partido recebeu o voto realmente secreto do segundo turno de 26 de outubro — e tudo aquilo que a imagem daquela mão que tecla o 45 representam.
Os presentes falaram de outros aliados furtivos que se acomodaram nas articulações do Planalto. Não foram mencionados nomes, pelo que eu soube, nem sei se era preciso. Entre os parlamentares do PT, há a convicção geral de que nos últimos anos o governo prestigiou quem não devia e esqueceu de fortalecer quem deveria ter sido lembrado e apoiado. Essa observação vale para as verbas de publicidade, como se sabe, mas também para alianças políticas.
Um nome que é referência desta situação é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abençoado com postos influentes na máquina federal, com os quais construiu um sistema próprio de poder no Congresso, com parlamentares que lhe devem favor e obediência durante as 24 horas do dia. Em troca, Eduardo Cunha comporta-se um aliado permanente da oposição, confronta o Planalto em toda oportunidade e pretende disputar a presidência da Câmara — com chances — em 2015.
O debate sobre a equipe econômica — ministros da Fazenda e Planejamento, Banco Central e Tesouro — fez parte da conversa. A maioria concordou que a nova equipe deve ser anunciada logo, assim que os nomes tenham sido definidos. Mas os senadores questionaram as escolhas colocadas à mesa. Sem fazer rodeios, um deles bateu de frente no nome de Henrique Meirelles, que é apoiado pelo próprio Lula para o lugar de Guido Mantega.
“Não há motivo para escolher um ministro com ficha de outro partido,” disse, referindo-se a filiação de Meirelles ao PSDB e mais tarde ao PSD. ” Se o eleitor quisesse a política econômica do PSDB, teria votado em Aécio.”
Outros senadores concordaram. Numa intervenção no mesmo sentido, um deles criticou a alta de 0,25% na taxa de juros uma semana depois da vitória de Dilma Rousseff, como um sinal daquilo que se quer evitar. A questão, para os senadores, não é elevar juros num dia ou outro, medida que pode ser necessária em determinadas circunstâncias — mas manter uma política de austeridade que acabe por ameaçar as principais conquistas acumuladas desde 2003, afastando o eleitor do PT do governo do PT.
A indicação de Meirelles costuma ser apresentada, dentro do PT, como uma analogia à política econômica de Antonio Palocci, em 2003, logo após a vitória de Lula. Seus partidários recordam que no primeiro ano de governo Palocci submeteu o país a um regime de austeridade forçada, quando os juros, que já eram altos sob Fernando Henrique, chegaram a ser elevados um pouco mais, por um curto período. Várias medidas destinadas a estimular investimentos privados foram iniciadas.
A partir de 2004 a economia se recuperou e o país voltou a crescer, alimentando a vitória de Lula em 2006 — apesar do escândalo em torno das denúncias de Roberto Jefferson. A indicação de Meirelles poderia repetir a história de Palocci?
Seus aliados julgam que sim, a partir da noção de que ele poderia “colocar ordem na casa”, acalmar o empresariado que até agora se alinhou contra Dilma e fazer o país crescer, trazendo grandes investimentos de volta, como ocorreu no primeiro mandato de Lula. Os adversários tem outro ponto de vista.
Lembram que hoje há um fator externo mais relevante do que dificuldades internas. Recordam um tema caro a Dilma Rousseff e ao núcleo de seu governo — a conjuntura internacional. A economia mundial voltou a crescer em 2004, quando a China se tornou uma devoradora insaciável de exportações brasileiras, puxando o conjunto da economia para cima. Em 2014-2015, o cenário é bem diferente. A China está fria e os países que assumiram pacotes de austeridade não conseguiram se recuperar. Ninguém pode garantir grandes mudanças sem um novo cenário. Os programas de austeridade no pós-2008 produziram a recessão sem fim da Europa de hoje. A questão é achar o ponto de equilíbrio que permite estimular investimentos sem abandonar quem deu o segundo mandato a Dilma.
Está claro que não há fórmulas mágicas dentro do colete de ninguém.
Está certo, de qualquer modo, que o esforço de reaproximação Palácio-Partido, é o melhor caminho caminho possível após uma vitória magra, construída numa convivência de desconfiança, quase indiferença pelo destino alheio. Se o Planalto passou anos dizendo que não tinha paciência para ouvir sua base aliada, esta chegou a responder com momentos de zanga brava, na linha de uma pergunta: “reeleição para que?”
Voltando ao maravilhoso falso-brega de Erasmo Carlos, “Mesmo que seja eu”, próprio para um antigo ídolo da juventude que se tornou careca, exibe um rosto cheio de rugas e marcas de tantas experiências difíceis da vida, pode-se até encontrar uma lição política já nos primeiros versos, úteis às duas partes:
“Sei que você fez os seus castelos
E sonhou ser salva do dragão
Desilusão meu bem
Quando acordou estava sem ninguém.”
Fonte: Do Blog de Paulo Moreira Leite
Blog do Banana