Embalagens vão ter que apresentar informações na parte da frente sobre excesso de açúcares adicionados, gordura e sódio
A partir deste domingo (9), quando você for ao supermercado, vai notar algumas diferenças nas embalagens dos alimentos. A principal delas é que os produtos com altas doses de açúcares adicionados, gordura saturada e sódio terão um selo em forma de lupa na parte superior, na frente da embalagem, destacando o ingrediente que pode fazer mal à saúde.
A professora da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) e pesquisadora do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP) Renata Costa de Miranda explica que a novidade vai funcionar como um alerta para que as pessoas façam escolhas alimentares melhores.
“Serão advertências relacionadas a nutrientes críticos e que têm uma grande relação com as doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares em geral.”
A nutricionista Laís Amaral, integrante do Programa de Alimentos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), acrescenta ainda que “a lupa é um instrumento superimportante de informação para o consumidor. Então é assim: se o alimento tem a lupa, deve ser evitado.”
Além do selo frontal, a tabela nutricional localizada atrás dos produtos terá modificações importantes. A primeira delas é que todas devem ser escritas em letras pretas, com fundo branco, para evitar contraste e, assim, dificultar a leitura.
Além disso, as indústrias serão obrigadas a declarar os açúcares totais e adicionados, o valor calórico e de nutrientes por 100 g ou 100 ml, e não mais por porções como era feito até então.
“Ter uma base de 100 g ou 100 ml garante uma base comum em todos os produtos, e oferece a possibilidade e a facilidade de comparação entre todos produtos. Podemos comparar produtos de diferentes grupos de alimentos”, ressalta Laís.
O objetivo da nova norma – aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em outubro de 2020, mas que só entrou em vigor hoje – é fazer com que os consumidores conheçam melhor os produtos que estão comendo e, assim, possam fazer escolhas mais saudáveis.
As mudanças nos rótulos serão por fases e só em outubro de 2025 será totalmente implementada, sendo elas:
– até 9 de outubro de 2023 (12 meses da data de vigência da norma) para os alimentos em geral;
– até 9 de outubro de 2024 (24 meses da data de vigência da norma) para os alimentos fabricados por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural, empreendimento econômico solidário, microempreendedor individual, agroindústria de pequeno porte, agroindústria artesanal e alimentos produzidos de forma artesanal;
– até 9 de outubro de 2025 (36 meses da data de vigência da norma) para as bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, observando o processo gradual de substituição dos rótulos.
As especialistas ouvidas pelo R7 reconhecem que essas alterações foram passos importantes no processo educacional do brasileiro para ter uma alimentação melhor. Todavia, elas acreditam que a nova norma poderia ter sido mais consistente.
A proposta inicial feita pelo Idec e por profissionais da saúde, baseada em estudos científicos, propunha que adoçantes e gorduras trans também tivessem uma quantidade limite, já que é reconhecido que são ingredientes que fazem mal.
“São elementos difíceis para o consumidor identificar na lista de ingredientes, porque são nomes complicados e fazem bastante mal à saúde. Não sabemos qual quantidade ainda é indicado, por isso nossa indicação era que viesse dizendo que tinha o ingrediente, independentemente de quanto”, lamenta Renata.
Além disso, a pesquisadora do Nupens/USP Ana Paula Bortoletto alerta que os limites dos ingredientes que fazem mal à saúde não são rígidos como a proposta inicial.
“O ideal era que a gente seguisse os parâmetros da Organização Pan-Americana da Saúde [Opas], que é uma recomendação que se baseia no risco para doenças crônicas não transmissíveis e tem critérios que são mais adequados para proteção da saúde que a Anvisa aprovou.”
Em resposta, a agência reguladora informou à reportagem que as quantidades autorizadas foram escolhidas com base “nas recomendações do Codex Alimentarius constantes das Diretrizes sobre Rotulagem Nutricional e das Diretrizes para Uso de Alegações Nutricionais e de Saúde, bem como nas diretrizes da OMS sobre açúcares, Guideline: sugars intake for adults and children“.
E acrescentou que os dados da Opas não seriam possíveis de adaptar às proporções de 100 g ou 100 ml.
“Como não existe uma relação direta entre a classificação proposta e a quantidade de nutrientes em 100 gramas ou mililitros do alimento ou na sua porção, a aplicação desse modelo geraria inconsistências entre a classificação da rotulagem nutricional frontal e os valores declarados na tabela nutricional, especialmente para alimentos com elevado teor de água.”
A principal preocupação das especialistas é que as indústrias promovam reformulações dos alimentos, mas em vez de deixá-los mais saudáveis, sejam acrescentados adoçantes e aditivos, ou ainda sejam retirados os ingredientes que fazem mal para níveis ligeiramente abaixo do limite imposto pela norma só para não receber o selo da lupa.
“Provavelmente o que vai acontecer é a reformulação dos produtos. O que é importante lembrar é que, às vezes, as empresas colocam uma quantidade desse ingrediente crítico que vai na lupa logo abaixo da quantidade [máxima exigida], para não ter a lupa”, alerta a profissional do Idec.
Com tudo isso, a recomendação é que ao comprar qualquer alimento, o consumidor leia atentamente quais são os ingredientes que fazem parte do produto. Eles se encontram logo abaixo da tabela nutricional.
“É importante prestar atenção nas informações da lista de ingredientes. Geralmente, fica mais escondida na parte de trás da embalagem, mas é onde aparecem todos os elementos daquele produto em ordem decrescente de quantidade. Então, o primeiro da lista é o que está em maior quantidade e no final ficam os aditivos”, orienta Ana.
Além disso, a quantidade de açúcares adicionados, gordura saturada e sódio estarão na tabela nutricional e será possível perceber se os valores estão muito próximos do limite. Conforme tabela abaixo.
Mesmo com as mudanças para facilitar a vida do consumidor, a dúvida de como reconhecer um alimento saudável é comum. As especialistas indicam que, mais uma vez, a solução está na leitura dos ingredientes.
“Na lista é possível identificar se tem farinha, óleo, açúcar. Esses são ingredientes que fazem parte da culinária, que usamos nas nossas casas. Mas também tem outros nomes de substâncias, extratos e aditivos que descaracterizam um alimento que se assemelha ao que fazemos na nossa casa e que chamamos de alimentos ultraprocessados”, destaca Ana.
A lista de produtos não recomendados é grande e aparecem nomes, como xarope de glicose, extrato de proteína, gordura hidrogenada, adoçantes, edulcorantes, aromatizantes, amido modificado, entre outros.
“Se houver, por exemplo, ingredientes que não são comuns aos consumidores, que eles não possam reproduzir determinado tipo de receita em casa olhando aquele ingrediente, ou então ingrediente com nomes desconhecidos, estranhos a eles, já é uma indicação de que não é tão saudável assim”, finaliza Renata.
O cardiologista Helio Castello, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, considera a informação a melhor ferramenta para ajudar na educação da população na hora de escolher alimentos mais saudáveis.
“A melhor forma de prevenção é o acesso à informação de qualidade, então o fato de termos informações verdadeiras na rotulagem dos produtos beneficia os pacientes, principalmente os de risco.”
O médico destaca ainda as doenças evitáveis pelo consumo de alimentos mais saudáveis.
“Uma série de doenças podem ser evitadas, temos as doenças cardiovasculares, com uma atenção especial para infarto e AVC, a hipertensão, a descompensação da diabetes e a diabetes mais grave. Além disso, alguns desses produtos aumentam o risco de alguns cânceres e, fundamentalmente, a obesidade que acomete quase metade da população. Então, se a pessoa tiver uma uma alimentação mais controlada em relação à açúcar e gorduras ela tem menor chance de desenvolver obesidade.”
(R7).