Programa de internacionalização da Câmara de Comércio Brasil-Portugal seria realizado com apoio da Adepe, em parceria com maior rede de negócios para pequenas e médias empresas do mundo, a Enterprise Europe Network (EEN)
Pernambuco acaba de sofrer um revés nos planos de internacionalização de uma de suas maiores cadeias produtivas, o polo têxtil e de confecções do Agreste. O mal-estar diplomático foi provocado pela suspensão, sem aviso prévio, de uma missão de negócios inédita a Portugal, que seria realizada nesta semana pela Câmara de Comércio, Indústria e Turismo Brasil-Portugal, com financiamento do Sebrae Pernambuco e apoio institucional da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe). A missão beneficiaria empresas de pequeno e médio portes de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e região.
Devido ao prejuízo provocado pelo cancelamento da missão internacional, a Câmara, entidade centenária com sede no Recife, notificará o Sebrae por “suspensão às vésperas do evento sem embasamento legal plausível” e “intenção de utilizar indevidamente o programa através de outra organizadora”, conforme nota veiculada no próprio site do Sebrae. A entidade destaca que a decisão “ensejará prejuízos de difícil reparação à Câmara”, responsável pela criação e desenvolvimento do programa técnico-empresarial.
Denominado de Fórum Bilateral do Setor Têxtil e de Confecções, o programa seria correalizado com a Enterprise Europe Network (EEN) e a Agência para a Competitividade e Inovação de Portugal (IAPMEI), parceiras institucionais da Câmara Brasil-Portugal. Ao todo, foram abertas 20 vagas para empresários do polo pernambucano, que seriam preenchidas conforme seleção pública lançada pelo Sebrae no dia 30 de agosto.
O presidente da Câmara, o advogado Antonio Mário de Abreu Pinto, detalha que a programação foi suspensa de forma unilateral, sem qualquer justificativa formal do Sebrae, a 20 dias da realização da missão em Portugal. A Enterprise Europe Network é a maior rede de internacionalização de pequenas e médias empresas do mundo, atua em mais de 60 países e é cofinanciada pela União Europeia. Já o IAPMEI é o órgão oficial do governo português para fomento das MPEs, assim como o Sebrae no Brasil.
“Foi uma tragédia para as relações interinstitucionais das entidades luso-brasileiras envolvidas, também tínhamos agenda com o embaixador do Brasil em Portugal e tivemos que cancelar. O Sebrae provocou um retrocesso sem precedentes nos esforços de internacionalização de uma das principais cadeias econômicas do Agreste, prejudicando uma cadeia que estava prestes a iniciar sua capacitação para alcançar o mercado europeu”, acrescenta Daniela Freire, superintendente da Câmara.
Para a executiva, o cancelamento a poucos dias da ação colocou em xeque a capacidade das instituições de Pernambuco de participar de programas oficiais de cooperação internacional. “Sofremos um desgaste de imagem que atinge todas as instituições do Estado, sobretudo neste momento, em que o setor produtivo se une para conquistar mercados e manter a competitividade ante as importações chinesas”, avalia.
CRISE DE IMAGEM NA EUROPA
A capacitação para exportações, com rodadas de negócios, visitas a indústrias e palestras promovidas em cooperação com o governo português, ocorreria da última segunda-feira (9) até este sábado (14), nas cidades de Lisboa, Porto e Vila Nova de Famalicão, onde se concentra o distrito industrial de confecções em Portugal. Todas as agendas contavam com a articulação da Associação Empresarial de Portugal (AEP), maior entidade empresarial do país, em funcionamento desde o século 19 e responsável por fomentar o mercado têxtil em terras lusas.
Jorge Manuel Duque, conselheiro de Negócios Internacionais da Enterprise Europe Network (EEN) e chefe de Departamento no IAPMEI, informou, em comunicado, que precisaria reportar à rede global “que o tempo de trabalho envolvido na ação teria resultado ‘zero’”, além de tachar a situação como “insólita” e “completamente imprevisível”, impactando em intenções futuras de parceria com o Estado e com o Sebrae em nível nacional. “Lamento este comportamento nada respeitador, nem aderente a entidades com a responsabilidades públicas e internacionais”, destacou.
ENTENDA
O imbróglio internacional foi iniciado semanas após a assinatura de um acordo de cooperação entre o Sebrae-Pernambuco e a Câmara de Comércio Brasil-Portugal, em meados de agosto. O cronograma de desembolsos referente à missão empresarial em solo português seria detalhado, assim como os valores, via termo aditivo. Para viabilizar a ida das 20 empresas selecionadas via chamada pública, o Sebrae contaria com a contrapartida financeira da Adepe.
“Como qualquer programa internacional, nosso fórum foi precificado em moeda estrangeira e usamos como base o modelo de gestão de orçamento de projetos da
Comissão Europeia, que é pré-aprovado por eles. Ações como estas envolvem um esforço de meses de articulação com órgãos internacionais”, reforça Daniela Freire.
RETROSPECTIVA DAS NEGOCIAÇÕES
A apresentação do projeto foi feita ao próprio superintendente do Sebrae Pernambuco, Murilo Guerra, no dia 10 de julho. O Sebrae, desde então, manifestou o interesse de ser o principal patrocinador da missão empresarial e, a partir daí, encabeçou a engenharia financeira.
Ao todo, as instituições trabalharam conjuntamente com os parceiros europeus durante 72 dias, tempo suficiente para conhecer a dinâmica das agendas, os parceiros comerciais e o conteúdo detalhado do programa de capacitação. No entanto, o Sebrae comunicou o cancelamento alegando que contrataria outra organizadora.
Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Brasil-Portugal, Raif Daher afirma que “a conduta do Sebrae Pernambuco é contrária ao princípio jurídico da boa-fé objetiva e ao princípio administrativo da proteção da confiança, pois além de celebrar acordo de cooperação com a entidade, realizou diversas reuniões e se portou de modo a fazer as instituições portuguesas e brasileiras criarem expectativas juridicamente tuteladas de que o evento seria realizado com o seu financiamento”.
Daher complementa que a desistência foi feita, sem direito a defesa, após inúmeras solicitações, por parte da entidade, para alinhamento do processo de contratação junto ao Jurídico do Sebrae, uma vez que as questões estavam sendo tratadas diretamente e apenas com assessores da superintendência.
Desde então, pedidos de acesso a documentos de propriedade dos organizadores do Fórum, planilhas de despesas operacionais e contato direto com fornecedores de serviços em Portugal foram feitos sem razão aparente pelo Sebrae – comportamento atípico em relações de cooperação internacional.
“Ficou evidente que o Sebrae teve acesso a todo o processo e, por conta própria, decidiu fazer um evento similar sem qualquer responsabilidade, apropriando-se indevidamente do projeto, sem respeitar o trabalho intelectual e os esforços coletivos das mais respeitadas instituições de fomento a negócios da União Europeia para viabilizar a aproximação dos dois mercados. Estamos falando de rodadas de negócios oficiais, com mais de 40 empresários do setor têxtil português, que foram literalmente descartados”, complementa Daniela Freire.
Entre as agendas desmarcadas em Portugal, além de reunião na Embaixada do Brasil em Lisboa, estão capacitações em órgãos como o Invest Lisboa, a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e o Centro Tecnológico das Indústrias Têxteis e de Vestuário de Portugal (Citeve), entre outras.
SEM COMUNICAÇÃO
Antes da pandemia, o Polo de Confecções do Agreste movimentava quase R$ 6 bilhões em vendas por ano, segundo dados da consultoria IEMI – Inteligência de Mercado. De acordo com o estudo, o mais atual sobre a cadeia, patrocinado pela antiga gestão do governo estadual, são gerados mais de 50 mil empregos pelas indústrias confeccionistas pernambucanas, entre postos diretos e indiretos.
“A missão vinha sendo articulada há mais de um ano pela Câmara de Comércio Brasil-Portugal, mas numa completa falta de compromisso com a imagem de Pernambuco perante as entidades internacionais, não houve pedido de desculpas às entidades portuguesas. O Sebrae não se manifestou sobre a abrupta e arbitrária suspensão às vésperas do evento e também prejudicou a Adepe”, critica o presidente da Câmara, Antonio Mário.
“Estamos falando de um prejuízo incalculável do ponto de vista das relações para abertura de um dos mais importantes mercados internacionais de moda, que é o europeu, à nossa cadeia de confecções”, reforça a superintendente da Câmara, Daniela Freire. De acordo com a executiva, embora os trabalhos conjuntos já durassem mais de dois meses, as principais entidades industriais do segmento, incluindo os sindicatos do setor filiados à Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), sequer tinham conhecimento do programa.
No momento, a Câmara de Comércio Brasil-Portugal se mobiliza para realizar o Fórum Bilateral do Setor Têxtil e de Confecções em fevereiro de 2024, durante o Modtissimo – o mais antigo salão de moda da Península Ibérica, realizado desde 1992 em Portugal. A exemplo da Rodada de Negócios da Moda Pernambucana, o evento é dirigido a empresas e ocorre duas vezes por ano, na cidade do Porto.
SOBRE A CÂMARA DE COMÉRCIO BR-PT
Fundada em 1912 no estado de Pernambuco, a Câmara de Comércio Brasil-Portugal é a segunda mais antiga em atividade no país, atrás apenas do Rio de Janeiro. A entidade bilateral tem como propósito fomentar o ambiente de negócios entre os dois países e trabalhar pelo fortalecimento do networking nos setores público e privado. A sua missão é fortalecer relacionamentos e promover a inovação no empreendedorismo. Em todo o Brasil, são 18 Câmaras Portuguesas, que juntas reúnem mais de 2,5 mil associados.
Com informações: BSCPRO