O senador Roberto Requião (PMDB-PR) denunciou nesta quarta-feira (13), da tribuna, que a securitização da dívida ativa de estados e municípios, proposta por Michel Temer (PMDB), é sistema semelhante ao que quebrou a Grécia.
O PLS 204/2016 foi aprovado na noite de ontem por 43 votos a favor, 18 contrários e duas abstenções.
Requião disse que a medida aprovada pelo Senado favorecerá aos bancos privados que operarão com deságio de até 70%. “Vai empobrecer estados e municípios e enriquecer os bancos”.
“A securitização da dívida pública, com antecipação de receitas, é o mesmo processo que quebrou o Estado grego. É um assalto”, manifestou o parlamentar.
Para o senador, “está aberta a porta do furto, do peculato, para a corrupção, pois não precisará de licitação para o poder público contratar a instituição bancária que promoverá o deságio na antecipação de receitas.”
“É um trambique judicial para inviabilizar administrações futuras. Entregar alguns recursos, nas vésperas de eleições, para prefeitos e governadores. É uma imoralidade absoluta”, denunciou Requião.
Leia a íntegra do discurso:
Senhores Senadores, Senhoras Senadoras
Venho aqui falar brevemente sobre o PLS 204.
Destina-se ele a permitir aos entes da federação, mediante autorização legislativa, ceder direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, inscritos ou não em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado.
Em sua ementa, na redação dada por substitutivo, é declarado, que o projeto
Altera a Lei n” 4.320, de 17 de março de 1964, para dispor sobre a cessão de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários dos entes da Federação; a Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), para prever o protesto extrajudicial como causa de interrupção da prescrição e para autorizar os órgãos de representação judicial dos entes federados a requisitar informação a entidades e órgãos públicos ou privados; a Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001, para permitir que a Advocacia-Geral da União, seus órgãos vinculados e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional requisitem informações protegidas por sigilo.
A nova ementa, portanto, esconde o verdadeiro conteúdo do PLS, pois destina-se mesmo é a autorizar a cessão de créditos de dívidas parceladas.
Na prática, o estado ou o município ficarão autorizados a transferir a arrecadação dos créditos objeto de parcelamento ao banco que lhe antecipar os recursos.
Esse projeto tem, todavia, três grandes problemas, que passo a arrolar, em ordem crescente de importância:
1º autoriza aos bancos a receberem tais créditos, pagando com deságio, sem exigir nem mesmo licitação para escolha do banco do fundo de investimento – ou seja, um governante qualquer pode vender os créditos tributários a qualquer preço, para um banco, que pague ao estado qualquer percentual que a lei estadual definir, sem permitir a outras instituições financeiras oferecerem percentuais mais vantajosos para o estado. Está aberta a porta para o FURTO, o PECULATO, por meio da falta de concorrência;
2º o inciso IV do § 1º do art. 1º do projeto prevê que somente poderão ser cedidos os créditos não vencidos – ou seja, só aqueles que o governo tem forte tendência de receber. Ora, se tem grande chance de receber, por que tem que ceder com deságio?;
3º o projeto fere o princípio orçamentário da anualidade. Os parcelamentos são uma forma prevista no Código Tributário Nacional para estender o pagamento de uma dívida por diversos meses, em geral, diversos anos. Esses pagamentos relativos ao ano seguinte ao atual devem ser considerados como receita de cada ano futuro, como claramente foi estabelecido há 53 anos, no § 1º do art. 39 da Lei nº 4.320 foi aprovada em 1964 e até hoje vigente.
Nesse sentido, a lei afronta o princípio da anualidade, pois traz para o presente – e ainda com deságio liberado – a arrecadação futura.
Em suma, o que se pretende com esta lei é empobrecer mais ainda os estados e municípios, enriquecendo os bancos, com a cessão da parte boa dos tributos parcelados, deixando a parte podre para os estados e municípios.
Nada mais é do que uma permissão de que os estados e municípios realizem operações de antecipação de receitas orçamentárias – conhecidas como ARO, fugindo aos princípios orçamentários e às regras da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A LRF proíbe qualquer operação de ARO que não seja para pagamento no mesmo ano – basta ver as regras do art. 38:
Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
(…)
II – deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;
III – não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;
IV – estará proibida:
(…)
b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.
(…)
§ 2ºAs operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.
Observem que, quando o substitutivo, na proposta de inclusão do § 5° no art. 39-A da Lei nº 4.320, declara textualmente que “As cessões de direitos creditórios realizadas nos termos deste artigo não se enquadram nas definições de que tratam os arts. 29, III e IV, e 37 da Lei Complementar n° 101” (a Lei de Responsabilidade Fiscal).
Ora, não pode a Lei dizer que o que é não é.
Aquilo que esse PLS está fazendo é autorizar operações de crédito de antecipação de receita – ARO, e dizer que ARO não é ARO, porque formalizada por meio de cessão de crédito.
Inadmissível isso, pois ARO é ARO.
E sendo ARO, não há como não submeter tais operações às normas gerais de direito financeiro estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Fica, pois, meu repúdio, por injuridicidade, a esse projeto que visa a injetar, em afronta a princípios jurídicos consagrados, recursos antecipados nos cofres dos Estados e dos bancos, em prejuízo dos que precisam dos serviços públicos e sem concorrência de taxas de deságio.
Uma porta aberta para a corrupção. (247)