Educação

Terrir’, ‘disania’, ‘pejotização’… 8 palavras podem entrar para o vocabulário oficial da língua portuguesa; veja lista

Linguistas explicam quais são os critérios da Academia Brasileira de Letras (ABL) para incorporar (ou desprezar) novos termos. Modinhas passageiras, por exemplo, não têm vez.

Quando toca o despertador, você desconfia de que sofre de disania? Talvez, se não tivesse assistido a um filme de terrir ontem à noite, os pesadelos fossem evitados… O pior é que não dá nem para esperar pelas férias. Com a pejotização do mercado de trabalho, bate aquela saudade de ser CLT.

Calma, se você não entendeu totalmente o parágrafo acima, não se preocupe — ele traz 3 palavras que ainda não existem no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp). “Disania”, “terrir” e “pejotização” fazem parte de uma “lista de espera”: ainda dependem da decisão dos lexicógrafos da Academia Brasileira de Letras (ABL) para serem incorporadas oficialmente ao idioma.

  • disania – dificuldade extrema de sair da cama pela manhã, mesmo após uma noite de sono
  • terrir – gênero de filme ou obra que mistura terror e humor
  • pejotização – prática de contratar um trabalhador como pessoa jurídica (PJ)

A pedido do g1, três especialistas explicaram como funciona esse processo de ampliação do vocabulário: Ricardo Cavalieri, coordenador da Comissão de Lexicografia da ABL; Cassiano Sydow Quilici, lexicólogo e professor da PUC; e Marcelo Módolo, linguista da Universidade de São Paulo (USP).

Nesta reportagem, entenda:

  • quais outras palavras estão entre as candidatas ao Volp;
  • que termos foram recentemente aprovados (spoilers: telemedicina, homoparental, sororidade e covid-19 são alguns deles);
  • quais critérios determinam que um termo entre no Volp ou seja “reprovado”;
  • por que continuam surgindo novas palavras.

O que é Volp? É o documento oficial que estabelece qual é a grafia correta de cada palavra na norma padrão do português brasileiro. Ele tem força de lei.

Ao contrário de dicionários como Houaiss Aurélio, que são mais descritivos e que registram inclusive gírias para mostrar o “uso cotidiano da língua”, o Volp privilegia a forma culta. Nos resultados de busca, ele não mostra o significado do termo, e sim a forma certa de escrita, a flexão da palavra (o plural de couve-flor, por exemplo, ou um feminino irregular) e a classe gramatical dela (substantivo masculino, verbo etc.).O Volp não introduz uma palavra no léxico nem é um censor que autoriza ou não o ingresso de um termo na língua. Quem cria é o falante. O que o VOLP faz é registrar”, explica Ricardo Cavalieri, da ABL.

Um termo que é só “modinha do momento” não pode entrar no VOLP — é preciso haver estabilidade e continuidade de uso. “Palavras que surgem em novelas ou em memes e depois desaparecem não devem ser registradas”, diz Marcelo Módulo, linguista da USP.

Podemos pensar, por exemplo, em “Inshalá”, que dominou as conversas em 2002, durante a transmissão de “O Clone”, na TV Globo, mas que caiu em desuso pouco tempo depois. Fez sentido não entrar no Volp.

Os principais critérios levados em conta pela comissão de lexicógrafos para incorporar um novo termo ao nosso vocabulário são os seguintes:

  1. Ocorrência em textos escritos: a palavra precisa constar em materiais como reportagens, livros, artigos acadêmicos ou textos doutrinários. “Não basta circular apenas na oralidade, em redes ou em conversas digitais”, afirma Cavalieri.
  2. Presença em pelo menos três gêneros textuais distintos: é necessário que o vocábulo apareça em registros diversos — como reportagens jornalísticas, artigos científicos, textos técnicos e obras literárias. Isso mostra que ele não está restrito a um grupo específico de pessoas.
  3. Uso estável e uniforme: o termo deve apresentar “homogeneidade de sentido em diferentes contextos”, sem variações de significado. Um neologismo que seja entendido de forma diferente por cada um pode não estar ainda consolidado na língua.
  4. Adaptação ortográfica, no caso de estrangeirismos: termos como “deletar”, aportuguesados, podem ser incorporados. Já aqueles que mantêm a grafia original, como “spin-off” e “bullying”, costumam ser registrados em um vocabulário específico de palavras estrangeiras, distinto do Volp.

    E quem está na ‘sala de espera’?

    Para acompanhar essa dinâmica, a ABL mantém o Observatório Lexical, que funciona como uma “sala de espera”. Ali, determinados termos sugeridos por leitores ou por profissionais do Volp ficam no aguardo de uma decisão: são apenas um modismo ou estão sendo usados de forma estável?

    • Chegar à resposta é um processo complexo que envolve pesquisas textuais intensas tanto na internet quanto em obras digitalizadas nas bibliotecas. Também é comum receber contribuições de lexicógrafos de fora da ABL.
    • Não há um prazo estipulado para que a decisão seja tomada. Como explicou Cavalieri ao g1, “a própria palavra faz seu tempo. Cada termo tem sua história até se firmar”.

     

    Covid-19, por exemplo, entrou no vocabulário oficial rapidamente, pelo uso massivo durante a pandemia. “Quando começaram a usar a sigla, jornalistas e cientistas tinham a necessidade de saber se seria o covid ou a covid. O Volp registra que é um substantivo feminino”, diz Cassiano Quilici, da PUC-SP.

    Veja a lista das 5 outras palavras que estão sendo analisadas pelos lexicógrafos no momento e o significado de cada uma delas (além de pejotização, disania e terrir, já mencionadas no início da reportagem):

    • cordonel (s.m.) – lona têxtil revestida com borracha crua, utilizada principalmente no conserto e na vulcanização de pneus.
    • microssono (s.m.) – brevíssimo período de sono, geralmente de poucos segundos, que ocorre de forma involuntária.
    • reclínio (s.m.) – ação ou estado de inclinar-se, dobrar-se, afastar-se de uma posição perpendicular ou deitar-se.
    • retrofitagem (s.f.) – processo de modernização de edifícios antigos, com a inserção de tecnologias e melhorias sem alterar a estrutura original.
    • tokenização (s.m.) – Na área de segurança, tokenizar é substituir um dado sensível (como um número de cartão de crédito) por um código aleatório (o token), que não tem valor fora do sistema que o criou.

     

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