Cientista política: Eleição aguarda os indecisos

Por Ricardo Banana
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Sem títuloPressora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Izabel Noll avalia o cenário eleitoral presidencial a menos de 15 dias da eleição. Ele afirma que o “quadro está meio congelado” à espera de uma definição da grande fatia de eleitores indecisos, conforme apontam as pesquisas eleitorais. A cientista política avalia, ainda, que ataques contundentes no horário eleitoral não é boa estratégia das coordenações de campanha, um vez que o eleitor é um pouco crítico a esse tipo de postura. A professora defendeu, ainda, uma reforma política pontual. Confira os principais trechos da entrevista ao Sul 21 a seguir:

 Sul 21 – Os presidenciáveis mudaram as estratégias de campanha depois da morte do ex-governador Eduardo Campos, com embates mais incisivos. Como a senhora avalia esse tipo de estratégia? Os ataques entre Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB), por exemplo, têm efeito junto ao eleitor?

 Maria Izabel Noll – Essa é uma questão a se pensar. Pode se recuar bastante no tempo, quando a política passou a ter uma dimensão de conflito mais evidente, como por exemplo o enfrentamento Collor (ex-presidente Fernando Collor) e Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) e, talvez com menos ênfase, com Lula e José Serra. E, no caso do Rio Grande do Sul, o enfrentamento entre PMDB e PT, Britto (ex-governador Antonio Britto) e Olívio (ex-governador Olívio Dutra). Houve uma certa reação em termos do eleitorado, que vê isso de uma maneira um pouco crítica. Um exemplo que foi bastante claro foi a vitória do Rigotto (ex-governador Germano Rigotto) aqui no Rio Grande Sul, com uma campanha que tinha de ser construtiva, paz e amor, aquela coisa toda. A própria eleição do Lula em 2002 foi muito em termos daquela famosa história Lulinha paz e amor. Não vou dizer que a Dilma tenha de se transformar na Dilminha paz e amor, mas já faz algum tempo que o eleitorado reage assim de uma forma crítica aos ataques muito mais pesados, muito contundentes, eu não sei se realmente essa é uma boa estratégia. Pode até em determinados ambientes, em determinadas circunstâncias ser uma estratégia, mas é uma estratégia voltada para públicos muito específicos, em que a contundência do conflito seja valorizada, mas não, por exemplo, para horário eleitoral gratuito. Ali tem de ser marcada a diferença, mas não necessariamente agressão, então eu diria que pode se avaliar um pouco essa perda de pontos tanto da Dilma quanto do Aécio (Neves, PSDB) na última pesquisa basicamente reflete um pouco isso, a ideia de que a política tudo bem, mas têm certos limites, que tem de mais construtiva, de expor as ideias.

 Sul 21 – Mas o Aécio conseguiu recuperar terreno nas pesquisas mais recentes. Foi devido à mudança de estratégia?

 Maria Izabel – Talvez tivesse aí de analisar mais especificamente a própria propaganda dele, o que está mais ou menos claro é que tanto a Dilma, quanto a Marina, quanto o Aécio nesses últimos 15 dias têm tido pequenas variações, mas não há mudanças muito radicais, sobe um pouquinho, desce um pouquinho, mas dentro até, inclusive, das margens de erro da pesquisa. Eu não diria que é um quadro meio congelado, mas que está esperando a definição de gente que está dizendo que vai votar branco e nulo e de uma fatia muito grande de indecisos, que as pesquisas ainda estão mostrando. Então, o que parece nesses altos e baixos radiografados, algumas faixas desses indecisos, se nós formos ver o correspondente a mais ou menos a 20% do eleitorado (indeciso) é muita gente, somados aos brancos, nulos e aos indecisos, puxa vida! Num eleitorado de 140 milhões, o que isso significa? Não vou dizer que seja um terço do eleitorado, mas quase. Ele está definido que vai anular o voto, ele está definido que vai votar branco ou ele não sabe ainda, não se tem muito claro o porquê desse vazio, o que está acontecendo dentro desse quadro meio congelado que a decisão está ficando, não vou dizer para última semana, mas quase isso. Nós vamos ter um quadro mais claro depois, tem ainda quase uma semana de reacomodação de tabuleiros.

“…O que está acontecendo desse quadro meio congelado que a decisão está ficando, não vou dizer para última semana, mas quase isso. Nós vamos ter um quadro mais claro, tem ainda quase uma semana de reacomodação de tabuleiros.”

 Sul 21 – Mesmo que dentro da margem de erro, o crescimento de Aécio não pode significar que o perfil dos indecisos é mais conservador, pois ele tem defendido propostas mais à direita, como a redução da idade penal e políticas voltadas à segurança, mais identificadas a este tipo de eleitorado?

 Maria Izabel – Ele está, talvez, definindo o programa para setores. Tem uma outra fatia do eleitorado, que se considera pouco, que boa parte dela não chega a 1%, mas que não deixa de ser um número razoável de eleitores, que estava com o pastor (Everaldo, PSC), com o Fidelix (Levy, PRTB), com a própria Luciana Genro (PSOL), com o Eduardo Jorge (PV). De repente, porque quanto mais a gente se aproxima do final da eleição, a tendência não é necessariamente do voto útil, mas vou dizer que a grande maioria do eleitor, a não ser numa circunstância de muita indefinição e de um quadro muito apático, porque a tendência é de ele se definir por algum candidato e o que está acontecendo agora. Em outros momentos, essa definição se deu quase com um mês de antecedência, às vezes começa o horário eleitoral, às vezes com 15 dias de horário eleitoral, o quadro muda radicalmente.

 Sul 21 – E ao que a senhora atribui essa demora em o eleitor se decidir, como mostraram as pesquisas?

 Maria Izabel – Essa é uma incógnita. Pode estar acontecendo que as pessoas que, em princípio, já votaram no PT, têm vontade de mudar, consequentemente não estão declarando seu voto no PT, mas não optaram ainda por algum candidato que corresponda o que elas estão pensando como o conteúdo dessa mudança.

 Sul 21 – A economia é um dos temas que domina a campanha eleitoral, tanto em nível presidencial quanto a governador no Rio Grande do Sul, com os debates concentrando-se na questão da dívida . Com a enorme diversidade de informações neste campo, com candidatos defendendo propostas tão antagônicas, o eleitor consegue compreender os pontos programáticos?

 Maria Izabel – A estratégia do número, da estatística, eu diria que é um lance que quem define essas questões discursivas são os marqueteiros. Eu diria que não é uma boa estratégia, não que a ausência absoluta de números, de informações também seja uma boa alternativa. Agora o excesso numérico, principalmente, o Levy Fidelix (presidenciável), por exemplo, diz por que 200 trilhões, 100 bilhões, ai 200 milhões, o que significa na cabeça do eleitor comum 200 bilhões? Mas em vez de 200 milhões, tinha de ser 250, isso é um negócio vazio, sabe-se que diz respeito a valores, ao que vai ser investido, não vai ser investido. Um dos problemas da própria campanha da Dilma, ela está excessivamente, talvez seja até pelo perfil como economista, centrada numa informação tanto isso e tanto aquilo.

 Sul 21 – A senhora acha que o eleitor da Dilma, que, em sua maioria, é de classes mais baixas, consegue entender seu discurso? Ela como consegue atingi-lo ao abordar esse tema?

 Maria Izabel – Se os números não vêm vinculados a uma imagem que tenha algum significado: tantas escolas, tanto isso, tanto aquilo, que apareça as crianças nas escolas… Esse pessoal que trabalha com marketing eleitoral gosta muito de dois termos: a razão e a emoção. Em princípio, aqueles grupos que eles fazem para observar o impacto da propaganda é muito mais o impacto que a emoção causa no eleitor do que propriamente aquilo que depois ele vai ter de racionalizar, pensar e tal, e, em função disso, elaborar o voto dele. Visivelmente o eleitor vai estar muito mais mobilizado emocionalmente por imagens e menos por números.

 Sul 21 – Nesse contexto, então, será que os temas envolvendo economia não ganham mais atenção pela repercussão da mídia do que pelo interesse do eleitor nos programas eleitorais?

 Maria Izabel – Há presunções que são estabelecidas por quem organiza as campanhas que sejam temas de interesse do eleitor e vai reduzindo. Os próprios debates na televisão terminam, absolutamente, sendo fechados nessas questões: educação, saúde economia, agora entrou religião, relações homoafetivas, aborto. Bah! Foca absolutamente (nesses temas), parece que não existe nada fora, é quase um menu que tem de ser escolhido. A impressão que me dá é que a economia é colocada como questão absolutamente central, mas vamos pensar o seguinte: o que para o eleitor mediano interessa ou faz sentido discutir a independência ou não do Banco Central? Qual é o papel do Banco Central? Há pressupostos, quando tem outras questões que, provavelmente, interessariam muito mais o eleitor e que absolutamente são deixadas de lado. Os grandes temas, absolutamente, não passam por uma temática de interesse do eleitorado, mas são temáticas colocadas pelos organizadores de campanha e pelos marqueteiros.

 Sul 21 – Isso significa que os grandes problemas do país não estariam sendo abordados com a devida importância ou quem até sendo deixados de lado no debate eleitoral?

 Maria Izabel – Eu diria que eles não estão sendo deixados de lado, agora como tu estabeleces o que são os grandes problemas do país? Os grandes problemas são aqueles, vamos dizer assim, que dizem respeito ao maior número em termos da própria população, que interessa em termos coletivos. Acho que tem uma série de questões que interessaria a um grande número da população e que não são colocadas.

“Acho que tem uma série de questões que interessaria a um grande número da população e que não são colocadas.”

 Sul 21 – Que tipo de questões, por exemplo?

 Maria Izabel – Um exemplo, agora, nessa última semana que eu vi foi que a Dilma fez uma referência à toda regulamentação do trabalho. Não se sabe necessariamente qual é a posição (dos presidenciáveis) – talvez até no caso da própria Dilma se tenha mais ou menos uma ideia-, mas não especificamente. Eu acho que o que acontece nas campanhas, a maneira como elas são feitas, ainda estão muito voltadas a um período, a uma época, foram formatadas para uma época que as pessoas dependiam muito do jornal, do rádio. Pega, por exemplo, o caso do horário eleitoral gratuito é uma coisa fora de época.

 Sul 21 – Os partidos fazem todo o esforço de formar uma ampla aliança, justamente, para ganhar tempo no horário eleitoral obrigatório, mas a propaganda, então, não teria tanta importância perante o eleitor, como as siglas dão? Isso seria atribuído ao seu formato atual?

 Maria Izabel – Aparentemente, as pessoas veem, mas o horário eleitoral tem muito de vou ver o meu candidato para ver como está o desempenho, hoje o programa do meu partido foi bom, o programa do outro partido não estava lá grande coisa, então tem muito disso. Independente disso, como ele passa ao meio-dia, passa em horário em que as pessoas, às vezes, estão jantando, almoçando, de repente acabam olhando para TV, tu estás ouvindo o rádio no carro, então ouve (o horário eleitoral). Agora que sentido tem chegar o cara, vir com aquela fotografia e vir o número em um segundo? Isso foi criado durante o regime militar, primeiro porque os militares queriam dizer que eram democráticos e davam espaço para todo mundo falar, agora nós não precisamos manter isso ai. Pode manter o horário eleitoral, agora precisa ter essa estrutura, todo mundo precisa falar?

 Sul 21 – E como deveria ser o formato do horário eleitoral para tornar atrativo ao eleitor?

 Maria Izabel – Deveria haver um debate entre os partidos, que são os maiores interessados, de ver como se divide isso, como os partidos vão usar: é para mostrar os candidatos, é para mostrar os programas? Não se negocia isso, não se discute, os partidos parecem que não têm interesse. Por que a lógica do horário eleitoral tem de ser construída em cima da representação na Câmara, representação dos partidos em nível federal? Porque em 1970, o Golbery (ex-presidente Golbery do Couto e Silva) achou que isso era uma boa. Mas ali tu tinhas dois partidos, era um sistema bipartidário, tinha a Arena e o MDB. O MDB tinha menos deputados e para os caras não ficarem irritados, porque a Arena era maior, tem uma representação maior e terá mais tempo, fizeram assim. Agora, por que nós somos obrigados até hoje a funcionar dentro dessa mesma lógica? Não tem, é um negócio antigo.

 Sul 21 – E os debates, a senhora acha que ajudam o eleitor a definir o voto, principalmente dos indecisos?

 Maria Izabel – Depende do debate. Eu acho que os debates, a forma como eles foram organizados e que parece assim um modelo único que todas as televisões obedecem, ficam uma coisa muita repetida. Tu vês um, de repente vê todos, e ai o fulano escolhe e pergunta. Esses dias teve um debate na TV católica (Rede Viva) e foi um debate em que os candidatos soltaram a franga. Mas eles (organizadores) fizeram uma coisa que me pareceu mais razoável. Primeiro lugar, com as devidas limitações, é uma empreitada católica, botaram os bispos a perguntar, botaram os jornalistas deles a perguntar e o candidato não escolhia, o candidato era sorteado, isso deu uma mudança mínima, mas deu dinâmica para o debate. Foi um debate muito mais interessante, provavelmente menos visto, mas que estava muito mais interessante do que o debate da Band. Porque permitiu uma certa flexibilidade, inclusive de pessoas que evitam perguntar para o outro. Evita, inclusive, aquelacombinaçãozinha que a gente sabe que funciona nos debates e teve uns negócios bem engraçados, que o Aécio chamou a Luciana Genro de linha auxiliar do PT e ela reagiu. Nos outros fica o Aécio só perguntando para a Marina, a Marina perguntando só para Dilma, que pergunta só para o Aécio. Parece brincadeira de criança, em que só os bambambãs se perguntam. Há uma falta de criatividade. Não sei se as pessoas têm medo de mudar, se os próprios marqueteiros têm medo de mudar, de fazer experiências. Fica tudo muito repetitivo, muito déjá vu. Até porque os candidatos se repetem muito. Como não tem uma renovação muito grande da classe política, fica um negócio muito repetitivo.

 Sul 21 – Por que temas com reflexos nas religiões, como políticas para a comunidade LGBT e a criminalização do aborto são tão espinhosos de os candidatos tratarem? É pelo fato de termos uma sociedade ainda conservadora?

Maria Izabel – Eu acho que a sociedade brasileira é uma sociedade conservadora. Aparentemente, ela aceita, sim, umas modernidades, mas tudo muito devagar. Às vezes meus alunos ficam muito surpresos quando eu digo que a República no Brasil sempre foi laica e que os nossos republicanos, a grande maioria, tinham um interesse muito grande em separar a igreja do Estado. A ideia de que o Estado realmente não tinha nada a ver com a religião, e boa parte deles, aliás, a grande maioria, era ateu, os positivistas aqui, Borges (de Medeiros) e Getúlio (Vargas), era todo mundo ateu e declarado e isso era visto como uma qualidade. Por quê? Porque a ideia que política é uma coisa e a religião, é de uma outra ordem, isso foi mudando, mas nunca foi uma questão fundamental até por que havia um pressuposto de que no Brasil todo mundo era católico. No país com número de católicos, todo mundo seria católico, o presidente consequentemente seria católico e isso nunca foi um elemento cobrado como nos EUA. O Brasil não tinha a sociedade dividida entre protestantes e católicos. Isso mudou, agora é uma mudança, não vou dizer que é dessa eleição agora, não foi. É uma mudança que vêm da tradição americana, a Universal, essas evangélicas, mas não da tradição luterana. Passaram a ter um peso político e representação no Congresso com as bancadas e começaram a ter um certo nível de exigência, a participar, nos últimos dez anos, talvez 15 anos, começaram a ser consideradas. Acho que isso veio a público e teve um papel mais marcante em 2010 (eleições presidenciais), quando foi colocada a questão do aborto e que apareceu com o fato de ter candidatos de outras religiões, mas que fecham questão tanto de caráter social, quanto em termos de saúde, de importância para a própria comunidade, que dizem respeito ao aborto, a pesquisas com células tronco, isso começou a ter de ser considerado e ai foi para o debate. Porque a religião não era uma temática, não vou dizer que ela não fosse relevante. Vou te dar um exemplo: durante muito tempo fizemos pesquisas de opinião e, claro, se perguntava a religião das pessoas, mas nunca foi uma variável fundamental. Hoje é extremamente importante tu perguntares a religião, porque as pessoas estão com posicionamento que as religiões, vamos dizer assim, definem: eu não admito a união homoafetiva porque meu pastor não permite, porque a minha religião não permite, então são determinados comportamentos que a religião passou a determinar. A perda, eu diria, da hegemonia da Igreja Católica teve esse custo: essa temática comportamental e que tem esse viés religioso com o peso das pentecostais (religiões), isso acabou tendo impacto não tão grande no voto, mas impacto no debate eleitoral.

Sul 21 – O eleitor tende a fazer uma grande mistura de partidos e coligações quando escolhe seus candidatos e na hora do voto. Isto significa fragilidade dos partidos ou falta de amadurecimento da democracia?

Maria Izabel – Eu acho que os partidos não são tão frágeis assim, claro que nós não temos aquela tradição do Partido Republicano e do Partido Democrata americanos, uma tradição de 200 anos, ou do Uruguai e da Argentina, que têm partidos a essa altura centenários. A nossa tradição é praticamente a cada regime renovar o sistema partidário. Isso tem um custo para o eleitor? Tem, porque ele tem que aprender de alguma forma, que é uma coisa nova que aparece, então ele precisa informação sobre esse partido para poder se situar. Por outro lado, não é uma fatia tão grande assim do eleitorado que fica preocupada em ver no detalhe o programa do partido. A tradição é a escolha personalista, as pessoas vinculam as duas coisas: ela vota na pessoa e ela vota na pessoa com relação a um determinado partido. Eu diria que se a pessoa mudasse de um partido de direita e fosse para um de esquerda, o eleitorado não ia sair todo porque é o fulano e, agora, porque ele foi lá para esquerda vou votar nele. Não é bem assim, tem uma conexão entre a pessoa, o que ela pensa e o grupo politico onde ela está inserida, há um casamento entre o personagem, dai a ideia do personalismo, de votar na pessoa, e os partidos.

Sul 21 – Esse número elevado de partidos, a maioria sem histórico e sem sustentação ideológica, também não ajuda na inconsistência, digamos ,ideológica do voto?

Maria Izabel – Tu não podes impedir a um grupo X de pessoas que elas queiram se constituir num partido político. Por outro, tem de criar regras suficientemente claras e minimamente, vamos dizer restritivas, para que a cada dez pessoas que pensem diferente não saiam criando um partido político. Por isso que a questão da reforma eleitoral é por um lado simples e por outro, complicado. Simples, porque as pessoas e, principalmente, os parlamentares sabem o que não funciona no sistema político, pelo menos no sistema partidário eleitoral. Todo mundo sabe por que não funciona. Agora o que tem de fazer? Tem de fazer reformas pontuais, articulando e mudando aquilo que não funciona. A tentativa que sempre aparece, principalmente em épocas eleitorais, é que tem de fazer uma grande reforma e mudar tudo, não tem por que razão mudar tudo, até porque é um desrespeito com o eleitor, tu dizeres agora vai mudar tudo e obrigá-lo a fazer todo um aprendizado. O eleitor pode até nem gostar e ele não está preocupado, ele tem mais coisas para fazer do que estar preocupado com isso ai. Ele vai se preocupar com isso num determinado período em que ele é chamado a se manifestar. Isso é igual em qualquer lugar no mundo. Nós temos aqui uma obsessão legiferante que tem de fazer novas leis, muda tudo. Não, tu tens de fazer as mudanças daquilo que não está funcionando, tem outras coisas que funcionam e não tem razão de mudar. Ah, tem muitos partidos, tem formas de não cortar o direito democrático de as pessoas criarem partidos, mas os partidos que não tenham viabilidade tenham um determinado tempo de vida.

Sul 21 – Por falar em reforma política, a maioria dos candidatos abraçou essa bandeira nesta campanha, a senhora acha que, desta vez, ela realmente sairá do papel?

Maria Izabel – O que é chamada de reforma política na realidade é uma reforma eleitoral partidária, que vai resolver os problemas eleitorais partidários. Mas ela não vai resolver os problemas econômicos nem sociais, nem os culturais e os religiosos. Ela vai melhorar o funcionamento dos partidos e da legislação eleitoral. Para fazer uma reforma, não adianta dizer que agora vamos adotar o sistema alemão. Ele pode ser excelente na Alemanha, porque nós vamos de repente largar o nosso sistema? Façamos testes, façamos pequenas mudanças. Agora, a lista fechada? O voto distrital? O eleitor está acostumado há 50 anos que o voto no Legislativo é proporcional e o voto no Executivo é majoritário. Tem muito candidato, tem muito partido, então vê o que pontualmente dá para resolver Cláusula de barreira é um bom negócio? Tá, desde que a cláusula não seja o corte lá em cima que faça com que nenhum partido sobreviva, tem de estabelecer o mínimo que alguns partidos sobrevivam. Imaginas se tu fosses estabelecer a cláusula de barreira lá nos anos 1980, que tivesse cortado, ia ter ficado a vida inteira o PP e o PMDB, nós teríamos um sistema bipartidário, ai não teria o PSDB, o PT, tu não terias o PSB, não ia dar chances aos partidos de esquerda, que são partidos pequenos, até partidos de direita, que são pequenos. Então é uma questão de bom senso, eu não acredito na grande reforma.

Sul 21 – A senhora defende que a reforma política tem de ser pontual. O que imprescindível, então, ser alterado?

Maria Izabel – Eu acho que tem, por exemplo, algumas questões em relação ao Senado, algumas delas foram mais ou menos tocadas, a ideia da suplência, a questão do suplente não ser eleito e de haver dois suplentes, e talvez o próprio mandato do senador ser de oito anos, eu acredito que são questões que poderiam ser pensadas. Visivelmente, o senador não precisa ter suplente, tu tens uma lista de candidatos ao Senado em que o primeiro colocado assume, ele renunciou, vai sair, entra o seguinte da lista. A questão do mandato: por que um mandato de oito anos? Pode ser um mandato de quatro anos, como um deputado, não tem razão alguma. A forma como os partidos organizam as listas. Sou contra a lista fechada organizada pelos partidos, agora uma lista organizada pelo eleitor, eu acredito que seja uma lista com número de cadeiras disponíveis possíveis, acaba com o excesso de candidatos e permite que o partido coloque lá e que o eleitor dê a ordem que ele entende ser a melhor. A coligação, por exemplo: ela é talvez necessária nas eleições nos cargos majoritários, principalmente considerando que nós temos segundo turno. Acho que o segundo turno dá legitimidade, quando não tinha dois turnos, antes de 1964, e um dos argumentos das oposições sempre era a baixa legitimidade. Juscelino Kubitschek, por exemplo, teve em torno de 35% de votos e isso, de certa forma, foi um pouco questionado. Getúlio, em 1950, teve 48% ou 49% da votação, isso era dado como um fato que ele não tinha feito 50%, que ele não tinha maioria. Acho que os dois turnos é um negócio importante e, para isso, coligações. Agora, tem de encontrar uma forma que os pequenos partidos possam ter uma certa representação sem que seja necessária a coligação. O que nós temos hoje é um sistema que tu votas, mas jamais sabe mesmo em que tu votas, na pessoa, o teu voto vai para um fundo que, inclusive, vai eleger candidatos de outros partidos, eu acho que esse sistema, principalmente para o Legislativo, é pouco claro para o eleitor, e num certo sentido pouco representativo. Agora, são mudanças pontuais. Acabar com a reeleição é uma mudança pontual. A reeleição nunca foi nossa tradição política e ela não mostrou que tenha sido positiva, ela praticamente se transformou num processo em que os mandatos são de oito anos e no meio do caminho tem um plebiscito para saber se mantém ou não mantém o candidato, quando poderia ter, como era antigamente, mandato de cinco anos e poderia teria resolvido o problema. Financiamento de campanha é um ponto complicadíssimo! Tem como mexer? Tem, tem mil exemplos de outros países, tem de olhar como funciona, a maneira como se constitui. Agora, vamos fazer financiamento público de campanha? Já existe financiamento público, os partidos já recebem (fundo partidário) e recebem muito dinheiro, além disso, vamos ter de sustentar as campanhas desses partidos, eu não acho que seja uma boa, por que as campanhas têm de ter o valor que têm agora? O eleitor está se beneficiando? Não está, quem se beneficia disso ai são os marqueteiros, as agências de propaganda, esses realmente se beneficiam. É uma fonte de corrupção? É, e um ponto fundamental a ser trabalhado, agora é pontual. Enquanto a reforma política for uma ideia de ser um grande pacote, vamos mudar tudo…Primeiro, porque não vai haver consenso e, segundo, têm coisas que visivelmente não precisam mudar, pois estão razoavelmente funcionando. Uma das coisas fundamentais para o eleitor é que ele saiba como o sistema funciona. a eleição não pode ser uma caixa preta para o eleitor, que gere desconfiança.

Sul 21 – A cada eleição, vem à tona o debate sobre o voto facultativo, a senhora é a favor ou contra?

Maria Izabel – Eu sou contra o voto facultativo. O voto facultativo pressupõe uma igualdade e um acesso, primeiro lugar, sociedades mais igualitárias, segundo, um acesso também a informações de forma mais igualitária do que se tem aqui no Brasil. Tu tens uma população colocada em posições muito diferenciadas para que tu possas abrir mão. O voto obrigatório, para mim, em determinadas sociedades ele é pedagógico, é um pouco do coagir a pessoa a se informar sobre seus direitos, seus deveres e a participar.

Sul 21 – Esse seria o caso do Brasil?

Maria Izabel – Sim, é o caso do Brasil. Aqui, tu tens ainda um processo educacional, em termos de cidadania, que precisa ser completado. A cidadania, quando a gente estuda, costuma dizer que ela fez o caminho inverso que, primeiro, a cidadania foi reconhecida como uma cidadania social em que era cidadão aquele que socialmente tinha uma função na sociedade, ou seja, ele trabalhava, e segundo lugar, a nossa cidadania política sempre foi uma cidadania que avançou de uma forma muito lenta. Primeiro, porque excluía uma parte muito grande da população e depois, porque nos períodos de ditadura tu não tens liberdade suficiente para escolher, conforme teus princípios e as tuas ideias. Então a essas alturas, nós podemos falar numa cidadania, numa razoável capacidade de extensão, de inclusão, de direitos civis propriamente depois de 1988, é muito pouco tempo para as pessoas reconhecerem que elas têm direito. Esse é um processo que ainda está sendo construído. Aí voltamos lá ao início, de uma sociedade conservadora, uma sociedade onde tu tens uma elite, que tu tens setores dominantes há séculos e que não estão dispostos a abrir mão de sua dominação. O Brasil é uma sociedade em que a concentração de renda é de tal nível que a disparidade entre, não vou dizer nem a renda dos mais baixos, mas o que seria uma renda média e a renda do topo não é mais da pirâmide, mas do edifício, é de tal ordem que é uma sociedade que precisa muita coisa ainda ser construída. Eu vejo a ideia do voto obrigatório como um processo pedagógico em que a pessoa é obrigada a se manifestar, mas isso aí faz parte de um processo em que ela está se conscientizando de que ela tem esse direito, não para nós que somos urbanos, não para nós que somos educados, não para nós que temos um certo nível de renda e um razoável nível de consciência, mas para um Brasil profundo, onde essas questões visivelmente não chegaram. Então se tu não asseguras, aí não é uma questão da obrigatoriedade, é uma questão, através da obrigatoriedade, assegurar um direito que de outra forma, ele não seria garantido. O voto facultativo ele é muito bonito em termos teóricos, é o direito que tenho de votar ou não votar, agora isso requer um nível e um número X de pré-condições para eu tenha essa capacidade de fazer essa opção, ela não está ao alcance de todos dentro dessa sociedade completamente desigua. Então, se através de um mecanismo quase coercitivo, eu estou garantindo o direito de manifestação, eu, particularmente, acho que ainda é legítimo dentro desse processo se manter a questão do voto obrigatório, é uma questão para ad eterno? Óbvio que não, como quaisquer das outras coisas poderá ser mudada em outros momentos, mas não nesse processo em que tens um processo difícil de democratização, de direitos, inclusive, dentro dessa sociedade.

Fonte; Brasil 247

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