Seca. A calamidade é outra

Por Ricardo Banana
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Até quando vamos continuar sofrendo com a seca em nossa região? Como explicar que, mais uma vez, embora tenhamos satélites, estudos, relatórios, projeções e amplas condições de nos precavermos para as mais duras consequências desse fenômeno climático, milhões de nordestinos amarguem a perda de seus rebanhos, de suas lavouras, de suas economias, num país que se arvora a ser, num futuro próximo, a quinta economia do mundo? Essa situação vivida por nossos conterrâneos é o reflexo não de uma calamidade climática, mas sim de um grave descaso orçamentário e administrativo do governo federal com as prioridades de nossa região, em especial com a economia e as populações do semiárido.

Neste sentido é conveniente lembrar que estamos no décimo ano de continuidade de uma mesma gestão, responsável, desde 2003, pela elaboração, aprovação e execução de nove leis de diretrizes orçamentárias anuais, as LDOs, igual número de leis orçamentárias, as LOAs e de três planos plurianuais, os PPAs, ferramentas suficientemente amplas, diretas e claras através das quais tais governos poderiam ter construído novos e eficientes mecanismos de previsão, prevenção de seus efeitos e de convivência produtiva com a seca.

Parece-nos, porém, que isso não aconteceu com a seriedade e a prioridade necessária. Logo após as primeiras notícias que anunciavam a possibilidade de ocorrer um novo período de estiagem em nossa região, como Líder do PDT na Comissão de Orçamento, Planos e Fiscalização do Congresso Nacional, fiz uma auditoria na execução das verbas dos principais programas relacionados no Ministério da Integração no ano de 2011. Começamos nosso trabalho sabendo que já naquele ano o governo Dilma havia conseguido aprovar nas diretrizes orçamentárias para 2012 (renovada em junho último para 2013) a determinação de que a elaboração e execução do orçamento anual deveriam observar, em primeiro plano, as metas do superávit primário (economia de receitas fiscais para pagamento de juros da dívida pública, hoje quase 100% constituída de papéis do tesouro nacional). O que isso quer dizer? O país paga impostos e contribuições ao tesouro nacional. Encargos que pesam mais sobre a renda e o consumo dos assalariados e de suas famílias. A carga tributária saltou de 24% do PIB em 1994 para 35.8% em maio de 2011.

Apesar das necessidades dessa população, como água tratada, saneamento, habitação, saúde e educação, as receitas são separadas, em primeiro plano, para garantir o pagamento dos juros acima indicados, embora em 2010 o Congresso Nacional tenha aprovado expressivos valores para os programas do Ministério da Integração vinculados às ações de combate à seca, à melhoria do acesso à irrigação e às medidas voltadas para o desenvolvimento sustentável. Concluída a análise é certo que a ação do Congresso foi jogada no lixo pela Fazenda Nacional. Os cortes na execução orçamentária, o famoso e nefasto contingenciamento, fizeram com que as verbas aprovadas para o Ministério tivessem uma aplicação ridícula no ano passado, agravada com a falta de projetos nos estados e municípios da região, voltados aos mesmos fins previstos na esfera federal. Agora, com a seca e seus irrecuperáveis estragos, o governo federal edita Medidas Provisórias para liberar verbas e combater os efeitos da estiagem. Uma piada de mau gosto. Vamos conferir alguns dos números que analisamos:

No “Programa Integração das Bacias Hidrográficas” só foram aplicados 7,51 % das dotações previstas. Para a “Infraestrutura Hídrica” apenas 31,12 %. Para o “Desenvolvimento Macrorregional sustentável”, míseros 0,49%. Para o Desenvolvimento da Agricultura Irrigada só 2.20%%. Já para o “Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semiárido”, 1,98 %. Todos esses percentuais foram atualizados até 20 de junho de 2012. Além disso, sem políticas permanentes articuladas entre a União, os Estados e Municípios, a verba pública que escapa do contingenciamento fica no caixa, não chega aos mais necessitados, é transferida ou mesmo desviada para outros fins, através da DRU – Desvinculação das Receitas da União, que leva para a conta única do tesouro nacional uma mordida de 20% da arrecadação federal, à exceção das receitas do INSS, das transferências para fundos de participação de estados e municípios, do combate à pobreza e das verbas federais para a educação, só a partir de 2009 (18% de suas receitas).

De que adianta engordar a receita federal, aprovar a destinação adequada das verbas para um conjunto de programas para nossa região, termos um Ministério para sua execução e na hora “h“ o governo ficar de costas às crônicas necessidades dessas populações nas regiões e nos estados nordestinos? O que vimos acontecer agora, mais uma vez, é o retrato de um crime contra milhões de cidadãos, produtores, agricultores familiares, tamanha a submissão das políticas voltadas ao seu desenvolvimento aos ganhos financeiros das elites, encasteladas em bancos, fundos de investimento, de previdência privada e no pomposo “tesouro direto”.

Ganhando sem produzir, sacrificam a maioria que paga impostos e contribuições e que vai para o rabo da fila dos gastos e investimentos públicos, como agora na seca. Sem ações decentes, planejadas, sérias e emancipatórias sobram o fisiologismo, o assistencialismo e a politicagem dos carros-pipa e das medidas paliativas. Esse cenário tem que mudar. Agora em novembro a Comissão Mista de Orçamento do Congresso reunir-se-á, após o feriado de finados, para debater a proposta de orçamento da União para 2013. Vamos denunciar os crimes cometidos contra os agricultores, seu patrimônio, seu direito ao trabalho e seus sonhos, tomando providências para que a calamidade orçamentária e administrativa vigente não continue.

Por Paulo Rubem Santiago

Líder do PDT na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional

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