Direito ao convívio familiar por meio da adoção vem sendo garantido através de trabalho multidisciplinar

Por Ricardo Banana
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O direito ao convívio familiar é preconizado especificamente pelo Art. 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas, de modo geral, a garantia permeia todo o dispositivo legal. No intuito de cumprir o que determina o Estatuto, a Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) intensificou os esforços para que os processos de adoção não sofressem interrupções por causa da pandemia. Para isso, foi necessária uma integração ainda maior dos profissionais que atuam em diversas áreas e setores da instituição.

Em 2020, a 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital (VIJ), com o auxílio interdisciplinar de profissionais do Núcleo de Apoio ao Cadastro Nacional de Adoção (NACNA), conseguiu efetivar a adoção de 29 crianças e adolescentes entre zero e 18 anos de idade. Desse total, três foram compostas por grupos de irmãos e oito delas foram de crianças maiores de sete anos de idade. Até setembro de 2021, foram iniciados 25 processos de adoção pela 2ª VIJ, todas por meio do Sistema Nacional de Adoção (SNA).

A psicóloga do NACNA, Carolina Albuquerque, conta que a pandemia trouxe um desafio enorme para a continuidade do trabalho, já que a adoção pressupõe um período de aproximação entre pessoas, a formação de novas famílias. “A pandemia veio trazer para a gente o grande desafio de continuar fazendo adoção, algo que fala de aproximação, abraço, afeto, em um momento em que a máxima era isolamento social. Para isso, foi necessário que a gente ocupasse um lugar de suporte, mesmo sem poder estar presente fisicamente. Explorando a aproximação preliminar pelas tecnologias de vídeo chamada, e até mesmo realizando algumas intervenções por videoconferência e realizando pelo menos uma de forma presencial”, explica Carolina. O Núcleo é composto por duas psicólogas, duas pedagogas e três assistentes sociais, que atuam de forma decisiva para a conclusão das adoções.

Foi esse suporte realizado pelo NACNA que contribuiu para o sucesso da adoção dos irmãos Romero Vinícius, de 10 anos; Maria Vitória, de 6 anos; Maria Naiara, de 5 anos; e Maria Laura, de um ano e 10 meses. Hoje integrantes da família Silva Lima e filhos da funcionária pública Simone e do radialista Antônio da Silva Lima. Em 19 de abril de 2021, a família iniciou o estágio de convivência e, após cinco meses, foi prolatada a sentença que homologou a adoção. Desde então, as crianças residem no município de São José do Belmonte, no Sertão do estado.

O radialista conta que, de início, o casal pretendia adotar apenas uma menina, de três até seis anos de idade e, após dois anos inscritos no SNA, ainda não haviam conseguido encontrar uma criança de perfil compatível com o escolhido. Foi através das redes sociais da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) que o casal viu pela primeira vez a foto dos quatro filhos. Por meio do Projeto Família são divulgadas as imagens de crianças e adolescentes que vivem nas 77 instituições de acolhimento de todo o estado e estão prontas para serem adotadas.

Como já tinha uma experiência com adoção – em 1999 Silva Lima adotou unilateralmente os três filhos de sua esposa anterior – o casal participava de grupos de adotantes e possuía uma maior facilidade para a mudança da configuração familiar desejada. Decididos a mudar o perfil no Cadastro, eles procuraram a 2ª Vara da Infância da Capital e solicitaram a habilitação para adotar os irmãos. Silva Lima conta que ao ver a foto, o casal não teve dúvidas quanto à decisão em aumentar substancialmente a família, que já contava com três filhos de Simone e cinco dele, todos já adultos. “Sempre tivemos a casa cheia. Com os nossos filhos já crescidos, vieram os netos. Então estamos acostumados com uma família numerosa”, explica.

Apesar da decisão firme e consciente de que teriam muitos filhos chegando de uma só vez, o radialista conta que a é necessária uma adaptação tanto na casa quanto na rotina familiar. “É diferente você ter vários filhos, mas com intervalos de tempo entre um e outro. A chegada de quatro crianças de uma vez só requer muitos cuidados, mas conseguimos ir nos acostumando. Como estávamos no meio da pandemia, tivemos que providenciar os estudos aqui em casa mesmo, com o reforço de professores particulares para que as crianças pudessem acompanhar o ritmo correto na escola”, revela.

“O apoio dos profissionais do NACNA foi fundamental. Sempre estavam ligando, procurando saber como estava a adaptação das crianças”, afirma o pai. A mãe conta que no início foi difícil a adaptação de quatro crianças ao mesmo tempo, mas o apoio psicológico ajudou e continua contribuindo para o bom andamento na convivência familiar. Durante o período de estágio de convivência, a família foi acompanhada pela equipe técnica do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do município de São José do Belmonte, juntamente com os profissionais da 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital.

A secretária Executiva da Ceja, juíza Hélia Viegas, destaca que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) foi pioneiro na iniciativa de divulgação das imagens de crianças e adolescentes e que os outros Tribunais do país se pautaram na experiência positiva do estado. “Existe uma semelhança com o que ocorre na nossa vida. Quando a gente conhece pessoas para formar um elo de amizade, um elo numa relação de amor, nós precisamos conhecê-las e não é diferente com um filho que vem pela adoção. Então quando se divulgam as imagens, você conhece mais sobre aquela criança e aquele adolescente, ela deixa de ser invisível aos olhos de quem quer ser pai e mãe daquela criança ou adolescente. Além disso, conhecer um pouco do seu querer, dos seus anseios, isso aproxima mais”, defende a juíza.

De novembro de 2016 a outubro de 2021, o Projeto Família realizou a busca ativa de adotantes para 371 crianças e adolescentes, por meio da divulgação de suas imagens nas redes sociais da Ceja. Nesse período, 155 foram adotadas ou se encontram em estágio de convivência ou de aproximação com as suas novas famílias. Esperam para serem adotados, atualmente, 143 crianças e adolescentes em todo o estado. Nesses cinco anos, 73 foram desligados ou suspensos do Projeto Família por motivos como maioridade e modificação da situação jurídica.

O Projeto Família, por meio da ferramenta Busca Ativa, tem sido fundamental para o sucesso na adoção dessas crianças e adolescentes fora do padrão escolhido pela maioria dos adotantes. Para a juíza Hélia Viegas, os números alcançados pela iniciativa têm demonstrado a efetividade do sistema. “Desde novembro de 2016 até hoje, desde que foi implantada a segunda versão do Projeto Família, com as publicações nas redes sociais, nós temos conseguido excelentes resultados. E isso se deve graças à divulgação dessas imagens, através do Projeto Família e por meio de todas as equipes envolvidas, que são as equipes técnicas das Varas da Infância e Juventude e as equipes técnicas das instituições de acolhimento onde essas crianças e adolescentes estão. Também é importante destacar a preparação que é dada aos pretendentes à adoção, seja pelos profissionais do Judiciário, seja pelos Grupos de Apoio à Adoção, o que faz com que aqueles que querem adotar abram seus corações para conhecer crianças e adolescentes que, a princípio, fogem do perfil almejado”, conclui a magistrada.

Para a psicóloga Carolina Albuquerque, o perfil de crianças pretendidas vem mudando porque há uma mudança de mentalidade de maneira geral. “Vivemos também no Brasil um momento de reflexão sobre o que é adotar, maternar, paternar, que evolui para um entendimento de que as crianças mais velhas ou os grupos de irmãos, mesmo em suas peculiaridades e desafios, podem ser filhos. Com o apoio do Projeto Família, desenvolvido pela Ceja, vimos ao longo dos anos, e mesmo com as dificuldades da pandemia, o crescimento de famílias que ampliaram seu perfil ao conhecer, nas postagens realizadas por esse projeto, a criança real, o adolescente real”, destaca.

Adoções em Pernambuco – A pandemia pela Covid-19 resultou em mudanças significativas nas formas de atuação em todo o Judiciário. Na área da Infância e Juventude, a superação dos desafios conseguiu manter Pernambuco entre os estados que mais realizam adoções no país. Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o estado pernambucano é hoje o sexto na classificação geral. Do total de 2.402 crianças e adolescentes adotados no Brasil, em 2020, por meio do SNA, 109 foram de Pernambuco.

Texto: Amanda Machado | Ascom TJPE
Foto: Cortesia

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