O caso do chefe da PRF: aspectos criminais e administrativos

Por Ricardo Banana
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I – O FATO
Como informou a Folha de São Paulo, a Polícia Federal abriu, no dia 10.11.22, inquérito para que o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, seja investigado sob suspeita de prevaricação e violência política.
O inquérito também deve investigar se as abordagens feitas no último domingo de outubro de 2022, 30, dentro do horário de votação, afetaram o “livre exercício do direito de voto”.
Mesmo após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibir operações relacionadas ao transporte público de eleitores, a PRF fez ao menos 560 operações, com foco no Nordeste. Eleitores denunciaram abordagens irregulares e o PT encampou a narrativa de que a corporação foi usada politicamente para dificultar o voto na região, predominantemente lulista.
No dia do segundo turno das eleições, Vasques foi intimado por Moraes, ministro do STF e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a interromper “imediatamente” as operações da corporação sobre transporte público de eleitores.
Moraes estabeleceu que, se Vasques não cumprisse a ordem, receberia multa pessoal e horária de R$ 100 mil e sofreria imediato afastamento das funções e prisão em flagrante por desobediência e crime eleitoral.
Vasques foi convocado ao prédio do TSE, na tarde daquele domingo, para prestar esclarecimentos a respeito de operações policiais relacionadas ao transporte público de eleitores.
Segundo o Correio Braziliense, o TSE foi acionado pela coligação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A campanha alegou que a PRF estaria fazendo operações e dificultando o transporte público de eleitores, especialmente no Nordeste, região onde o candidato petista tem maioria dos votos.
Pelo menos 560 abordagens de fiscalização a coletivos fazendo transporte público de eleitores foram relatadas. O número de manifestações consta em controle interno da PRF. A notícia foi publicada inicialmente pelo jornal Folha de S.Paulo. A TV Globo confirmou as informações.
No sábado (29/10), o TSE já havia determinado que a PRF não fizesse operações no transporte público, para não atrapalhar a votação.
Naquele mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu explicações para a PRF sobre eventuais operações.
Naquele domingo, diante dos relatos de descumprimento da ordem, o ministro Moraes determinou que Vasques desse esclarecimentos imediatos.
Ele ainda declarou o voto no atual presidente da República.
No sábado (29), ele postou no Instagram uma foto da bandeira do Brasil, acompanhada do texto “vote 22. Bolsonaro presidente”. A imagem, apesar de ter sido excluída, viralizou nas redes sociais.
De acordo com os dados enviados ao STF ( Supremo Tribunal Federal), a punição por organizar ação para interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito representa apenas 0,8% das 6.200 multas aplicadas entre os dias 1º e 6 de novembro.
Considerada gravíssima, a multa para esse tipo de infração pode chegar a R$ 17 mil, uma vez que o Código de Trânsito prevê que a multa base de R$ 293,47 seja multiplicada por 60 quando o alvo for um organizador da ação.
Por certo a Polícia Rodoviária Federal é órgão de estado e não de governo e assim deve agir em nome do princípio republicano.
Foi absurda a conduta desse senhor ao aumentar o cerco contra o transporte público de eleitores no dia da eleição objetivando beneficiar a reeleição do atual presidente da República.
Sua conduta foi escandalosa.
Segundo divulgou o Estadão, “atual diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques já foi acusado de participar de esquema de cobrança de propina a empresas de guincho de automóveis que atuavam nas BRs 101 e 280, em Santa Catarina, no fim dos anos 1990. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi baseada em depoimentos e em extratos bancários obtidos com quebras de sigilo. O caso, entretanto, prescreveu, sem que o mérito tivesse sido apreciado pela Justiça.”
A acusação do MPF apontou que policiais que atuavam nos municípios de Joinville e Barra Velha controlavam serviços oferecidos por empresas para guinchamento de automóveis acidentados ou apreendidos nas estradas. Em contrapartida, os guincheiros precisavam pagar aos agentes em média 40% sobre o valor dos serviços.
II – CRIMES A INVESTIGAR
Deve ser investigado o delito eleitoral:
Art. 304. Ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimentação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mesmos a determinado partido ou candidato:
Pena – pagamento de 250 a 300 dias-multa.
Entende a maioria da doutrina que o agente público pode ser sujeito ativo da desobediência, desde que a ordem recebida não se refira a funções suas, pois, em tal hipótese, poderá se configurar o delito de prevaricação.
Prevaricar é a infidelidade ao dever de ofício. É o descumprimento de obrigações atinentes à função exercida.
Na forma do artigo 319 do Código Penal, de 3 (três) maneiras o agente poderá realizar o delito. Duas delas de natureza omissiva (retardando ou omitindo o ofício). Outra, de feição comissiva, praticando ato contrário a disposição expressa de lei.
O elemento subjetivo é o dolo específico. O dolo consiste na vontade livremente endereçada à realização de qualquer das condutas referenciadas na norma. O dolo específico consiste na finalidade de o funcionário satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
O crime é de menor potencial ofensivo em face da pena: detenção, de três meses a um ano, e multa. Cabe a transação penal.
Os serviços, as instalações e os funcionários de qualquer repartição federal, estadual ou municipal, autarquia, fundação pública, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo poder público ou que realiza contrato com este, inclusive o respectivo prédio e suas dependências, não poderão ser utilizados para beneficiar partido ou organização de caráter político, sob pena de prática de crime.
III – A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação de improbidade administrativa, com pedido de liminar, contra o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, pelo uso indevido do cargo, com desvio de finalidade, bem como de símbolos e imagem da instituição policial com o objetivo de favorecer um dos candidatos nas eleições presidenciais. Liminarmente, o MPF pede o imediato afastamento do diretor de suas funções por 90 dias e, no mérito, a condenação pela prática dolosa de improbidade administrativa, por violar os princípios da Administração Pública, notoriamente da legalidade e da impessoalidade, previstos no art. 11, caput e inciso XII, da Lei nº 8.429/92.
Tal se deu no processo n. 5086967-22.2022.4.02.510.
Diz assim a Lei de improbidade administrativa:
XII – praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.
Observa-se daquela exordial:
“No período compreendido entre o anúncio oficial da candidatura e a realização do primeiro ou segundo turno das eleições, toda menção ou referência escrita, verbal ou não-verbal à figura do presidente da República e candidato à reeleição, feita por agente público em razão dessa condição, de forma ostensiva ou velada, sobretudo aqueles investidos em altos cargos ou funções da administração pública federal, nos eventos públicos ou oficiais, meios de comunicação, internet, redes sociais ou por meio de atos administrativos, é passível de valoração jurídica quanto à legitimidade, moralidade administrativa e licitude em relação às normas de natureza eleitoral, administrativa, cível ou penal”, destaca o procurador da República Eduardo Benones, do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial e autor da ação.
Os atos administrativos praticados por Silvinei Vasques, naquele período retratado na inicial reportada, revelam-se em evidente desvio de finalidade o que levam a sua absoluta nulidade.
Repito, na íntegra, a lição de Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos, 2ª edição, pág. 89 e 90), assim disposta; “A atividade administrativa, sendo condicionada pela lei à obtenção de determinados resultados, não pode a Administração Pública dele se desviar, demandando resultados diversos dos visados pelo legislador. Os atos administrativos devem procurar as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade.”
Prossegue o eminente administrativista, que tantas lições deixou entre nós, alertando que se a lei previu que o ato fosse praticado visando a certa finalidade, mas a autoridade o praticou de forma diversa, há um desvio de finalidade.
Na doutrina, aliás, do que se tem de Roger Bonnard, as opiniões convergem no sentido de que, a propósito da finalidade, não existe jamais para a Administração um poder discricionário.
Há no ato administrativo, para sua higidez e validade, um fim legal a considerar. Marcelo Caetano (Manual de direito administrativo, pág. 507) distinguia os desígnios pessoais, os cálculos ambiciosos, as previsões que o agente faz de si para si, no momento em que se determina a exprimir a vontade administrativa, sem repercussão positivamente exteriorizada, na prática do ato, daqueles que se refletem de modo objetivo na sua prática, vindo a desvirtuá-lo em sua finalidade objetiva.
O agente público não pode usar de seus motivos pessoais para atingir fins outros através de um ato administrativo.
IV – A SUSPENSÃO CAUTELAR DO EXERCÍCIO DO CARGO PÚBLICO
Do ponto de vista jurídico, é justificável uma ação administrativa correcional, considerando que ele violou parâmetros legais da legislação eleitoral brasileira e desobedeceu uma decisão do presidente do TSE.
Cabe a punição de afastamento do cargo. Isso independente da atuação do Poder Judiciário, em sede penal, visando a dar contornos judiciais à punição de demissão do agente público. Calha dizer que a demissão, no direito administrativo brasileiro, é ato punitivo de retirada do servidor do serviço público por ato infracional.
Uma das providências que devem ser tomadas, ainda no curso do inquérito policial, é a de suspensão cautelar do exercício do cargo público.
Para isso, vamos ao artigo 282 do CPP.
Enveredemos, pois, nas chamadas medidas cautelares pessoais.
De pronto, acentuo que a legislação processual penal não contempla um processo cautelar como procedimento judicial anterior ao processo principal, cuidando da fase de investigação como matéria administrativa, de forma a validar a legitimação da autoridade policial para apresentar pleitos dessa natureza ao juiz, sem se esquecer que o Parquet será intimado para falar sobre essas representações.
Os requisitos para aplicação das medidas cautelares, que não podem ser decretadas sem base fática, não se determinam pela prova da materialidade e indícios suficientes para a autoria para a sua decretação, do mesmo modo como não se exige com relação a prisão temporária, substitutivo da antiga prisão para averiguação, como disse Guilherme de Souza Nucci (Leis penais e processuais penais comentadas, Prisão temporária, Nota 3 ao art. 1º, São Paulo, RT).
Concentram-se os requisitos na necessidade e adequação (artigo 282, I e II, do CPP), que estão intimamente ligados ao princípio da proporcionalidade. Assim, a análise com relação à gravidade real da conduta é o índice a ser levado em conta para atendimento da medida, ou seja, sua adequação.
Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referencia com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida, e, ainda, uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.
Tais ilações foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo, ed. Saraiva, 2003, pág. 228.) ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.
Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, que se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.
Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do princípio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.
Trago a lição de Willis Santiago Guerra Filho (Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza, UFC, Imprensa Universitária, 1989, pág. 75) de feliz síntese:
¨Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente proporcional em sentido estrito, se as vantagens superarem as desvantagens.¨.
Os chamados referenciais fundamentais para aplicação das medidas cautelares pessoais no processo penal brasileiro são a necessidade e adequação. Ambos se reúnem no princípio da proporcionalidade, assim sintetizado por Eugênio Pacelli[(Curso de processo penal, São Paulo, Atlas, 2013, pág. 504).consoante vemos:
  1. a) na primeira, desdobrando-se, sobretudo, na proibição de excesso, mas, também, na máxima efetividade dos direitos fundamentais, serve de efetivo controle da validade e do alcance das normas, autorizando o intérprete a recusar a aplicação daquela norma que contiver sanções ou proibições excessivas e desbordantes da necessidade de regulamentação;
  2. b) na segunda, presta-se a permitir um juízo de ponderação na escolha da norma mais adequada em caso de eventual tensão entre elas quando mais de uma norma constitucional se apresentar aplicável ao mesmo fato.
Assim proíbe-se o excesso e busca-se a adequação da medida.
Levo em conta a douta opinião de Luís Virgílio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável, RT 798/27) para quem há proibição do excesso como limite, separadamente do postulado da proporcionalidade, sempre que um direito fundamental esteja excessivamente restringido.
Essa mesma proporcionalidade veda a prisão preventiva em caso de crimes culposos, ressalvada a hipótese do artigo 313, parágrafo único do CPP, com relação à prisão para e até a identificação do acusado, a chamada prisão preventiva utilitária.
De toda maneira, será possível a aplicação das cautelares, ressalvada a hipótese de proibição expressa, do que se lê do artigo 283, § 1º, do CPP, em que ocorrem delitos nos quais não se admite, nem em tese, a pena privativa de liberdade.
As medidas cautelares podem ser aplicadas de forma isolada ou de forma cumulada (artigo 282, § 1º, CPP).
Para fins de decretação da medida cautelar distinta da prisão, impõe-se o seguinte quadro a ser respeitado: a) o juiz possa deferi-la, de ofício ou a requerimento das partes, durante o processo; b) o juiz pode decretá-la, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público, na fase de investigação criminal, em obediência ao sistema acusatório, que prima pelo respeito à imparcialidade do juiz.
Pelo sistema acusatório, o magistrado não pode, de ofício, sem provocação, cuidar da efetividade dos atos da investigação. Por sua vez, no curso do processo, não há qualquer impedimento à decretação de prisão preventiva, uma vez justificada pela necessidade de proteção à sua efetividade. O modelo acusatório não contempla a inércia do magistrado em relação à adoção de medidas tendentes a proteger a efetividade do processo. Disse Eugênio Pacelli (Obra citada, pág. 527) que ¨uma coisa é ele substituir, de ofício, uma cautelar descumprida por outra, para fins de evitar a reiteração criminosa ou por garantia da ordem pública; outra, é fazê-lo à conta de conveniência da investigação ou da instrução.¨
Certamente, no modelo acusatório, que se afasta do inquisitivo, adotado pelo Código de 1941, em sua redação original, ao juiz não cabe zelar por tais questões (investigação e instrução)
Por outro lado, orienta o artigo 282, § 3º, do CPP, que o juiz, ao receber o pedido de decretação da medida cautelar, deve intimar a parte contrária, buscando-se privilegiar o contraditório. Todavia, se houver urgência, descarta-se tal providência, pois haveria risco de ineficácia da medida.
De toda sorte, evidencia-se, da leitura do artigo 282 do CPP, que a prisão é a ultima ratio, última opção, primando-se o respeito à intervenção mínima, passando a prisão preventiva a ter a conotação de subsidiariedade (artigo 282, § 4º e 6º, do CPP). Digo isso, acentuando que a prisão preventiva somente deve ser decretada se nenhuma outra medida cautelar for adequada ou quando o investigado ou acusado descumprir as obrigações impostas por uma cautelar de caráter não prisional (artigo 282, § 4º e 6º, do CPP).
Em resumo, as medidas constantes do artigo 319 do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei 12.403, têm como propósito evitar o encarceramento.
Sendo assim, a consequência jurídica do delito a ser imposta pelo Estado deve ofender, no mínimo possível, a liberdade humana, isto porque a regra deve ser a liberdade e não a prisão, lembrando que o aprisionamento do homem permite o contágio criminal do cidadão preso com criminosos mais experientes, a par de que a experiência tem mostrado que a prisão é um instrumento que se mostra inapropriado para alcançar a finalidade ressocializadora da pena.
(Blog Barreto).

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